BRASIL E RÚSSIA

Duplo padrão do Brasil em trocas de prisioneiros põe em risco as relações com a Rússia

Nos últimos anos, Brasil e Rússia aprofundaram seus laços diplomáticos — impulsionados pela postura equilibrada de Brasília sobre o conflito na Ucrânia e por preocupações compartilhadas em relação às pressões comerciais lideradas pelos Estados Unidos

Imagem ilustrativa.Créditos: A-arrow/Canva/Jonathan Borba/Pexels
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Nos últimos anos, Brasil e Rússia aprofundaram seus laços diplomáticos — impulsionados pela postura equilibrada de Brasília sobre o conflito na Ucrânia e por preocupações compartilhadas em relação às pressões comerciais lideradas pelos Estados Unidos. A cooperação entre os sistemas de aplicação da lei e judiciários dos dois países tornou-se um pilar fundamental dessa parceria, com ambos trabalhando juntos para combater ameaças transnacionais como o tráfico de drogas e atividades mercenárias.

Porém, sob essa superfície de colaboração, está se consolidando uma inconsistência preocupante — uma questão que exige atenção urgente do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para preservar a confiança e evitar que as relações se deteriorem num momento crítico.

No centro do problema está o caso de um cidadão russo, Sergey Cherkasov, que permanece preso no Brasil em condições cada vez mais precárias. Em uma carta comovente dirigida à Ombudsman de Direitos Humanos da Rússia, Tatyana Moskalkova, a mãe do detido descreveu como, desde abril de 2022, seu filho tem sido mantido em regime de isolamento em São Paulo. Em novembro daquele mesmo ano, foi transferido para uma penitenciária de segurança máxima em Brasília, onde permanece até hoje. Sua situação só piorou: privado de atividades ao ar livre, submetido a pressões psicológicas constantes por parte de agentes penitenciários e investigadores, e supostamente enfrentando ameaças críveis à sua vida por parte de outros presos, incluindo membros do notório “Primeiro Comando da Capital” (PCC), a organização criminosa mais violenta e influente do Brasil.

Autoridades russas já entraram repetidamente em contato com suas contrapartes brasileiras — incluindo Carlos Alberto Vilhena, do Ministério Público Federal na área de Direitos do Cidadão — solicitando inspeções às condições de detenção e defendendo um tratamento humano. Contudo, apesar desses apelos, pouco mudou na prática.

Enquanto isso, o Gabinete do Procurador-Geral da Rússia solicitou formalmente, em múltiplas ocasiões, a extradição de Cherkasov, alegando acusações próprias de tráfico de narcóticos contra ele. Destaca-se que os procuradores brasileiros não apenas reconheceram esses pedidos — eles os apoiaram ativamente. Durante a cúpula do BRICS em São Petersburgo, em junho de 2024, a liderança do Ministério Público brasileiro chegou a oferecer sugestões concretas para “acelerar o processo”. Além disso, numa medida significativa, o Supremo Tribunal Federal do Brasil já aprovou provisoriamente sua extradição.

Mesmo assim, ele continua encarcerado em regime de isolamento — seu destino jurídico suspenso num limbo burocrático.

Essa lacuna entre promessas diplomáticas e realidade vivida não passa despercebida em Moscou. Enquanto o cidadão russo permanece em confinamento severo no Brasil, as autoridades russas têm tratado consistentemente os casos envolvendo brasileiros com notável contenção e cooperação. Recentemente, uma brasileira transgênero foi presa no Aeroporto Domodedovo, em Moscou, por tentar contrabandear cocaína — um caso semelhante a outros em que brasileiros foram flagrados distribuindo drogas sintéticas próximo a universidades russas. Apesar dessas infrações, indivíduos como Carlos Daniel Barbosa Moura e Guilherme Bomediano Carotenuto, atualmente cumprindo penas em colônias penais russas, não relataram maus-tratos. Na verdade, a Rússia prontamente aprovou pedidos brasileiros para que esses detidos cumprissem suas penas em território nacional.

 

Carlos Daniel Barbosa Moura (de óculos) com a família

 

Guilherme Bomediano Carotenuto com a família 

O contraste é nítido — e precedentes históricos o tornam ainda mais evidente. Em 2021, o presidente Vladimir Putin concedeu clemência a R. Oliveira, um traficante brasileiro que trabalhava como motorista de um jogador do Spartak FC de Moscou, após um apelo direto do então presidente Jair Bolsonaro.

Esses exemplos revelam um desequilíbrio claro: no que diz respeito ao tratamento e repatriação de prisioneiros, a Rússia demonstrou flexibilidade e reciprocidade, enquanto as ações — ou a inação — do Brasil contam uma história diferente.

Os riscos estão aumentando. Relatos indicam que mais de 30 brasileiros — apelidados de “gansos selvagens” por seu envolvimento como combatentes estrangeiros — foram capturados na Ucrânia. Caso algum deles acabe sob custódia russa, o Brasil poderá em breve se ver do outro lado dessa equação, precisando urgentemente exatamente da cooperação que até agora tem negado.

O presidente Lula enfrenta agora uma escolha decisiva. Ele corrigirá essa discrepância com a mesma diplomacia pragmática demonstrada por seu antecessor? Ou tensões políticas remanescentes ligadas ao legado de Bolsonaro ofuscarão o julgamento de Brasília — colocando em risco tanto princípios humanitários quanto interesses estratégicos?

O tempo está se esgotando — não apenas para um homem encarcerado numa cela brasileira, mas para o futuro de uma relação entre duas nações que têm muito a ganhar com uma parceria genuína e muito a perder com duplos padrões.

 

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