Alain Touraine: "Choque econômico da crise do coronavírus pode produzir reações fascistas"

Sociólogo francês critica falta de lideranças mundiais no combate ao vírus e diz que não há mais "ninguém no topo"

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O sociólogo francês Alain Touraine, um dos principais intelectuais europeus no campo do pós-guerra e da sociedade pós-industrial, disse em entrevista ao El País que o coronavírus não deve trazer mudanças drásticas na estrutura social dos países, como economia e relações pessoais. Para ele, catástrofes serão comuns nos próximos dez anos, mas teme que o choque econômico das crises produza reações fascistas.

"Haverá outras catástrofes. Eu ficaria muito surpreso se nos próximos dez anos não houver catástrofes ecológicas importantes, e os últimos dez anos foram perdidos. Atenção, as epidemias não são tudo. Ao mesmo tempo, com essas crises há possibilidades de que um choque econômico produza reações que chamo de tipo fascista", conta.

Touraine diz ainda que a luta contra o avanço do coronavírus é uma "guerra sem combatentes", pois atualmente vivemos em um mundo "sem atores" ou lideranças políticas.

"Tecnicamente, quem enfrenta a guerra é um exército. Que invade o território do país B. São necessários pelo menos dois agentes e ocorre entre humanos. Aqui, em vez disso, o que vemos é o humano contra o não humano. Não critico o uso da palavra guerra, mas seria uma guerra sem combatentes. Não há estrategista: o vírus não é um chefe de Governo. E, do lado humano, acho que vivemos em um mundo sem atores", completa.

Como exemplo de um "mundo sem atores", o sociólogo cita o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um personagem que, para ele, é "fora das normas e fora de seu papel".

Nunca tinha visto um presidente dos Estados Unidos tão estranho como Donald Trump, tão pouco presidencial, um personagem tão fora das normas e fora de seu papel. E não é por acaso: os Estados Unidos abandonaram o papel de líder mundial. Hoje não já há nada. E na Europa, se você olhar para os países mais poderosos, ninguém responde. Não há ninguém no topo", diz.