Alunos de universidades públicas buscam soluções para cotistas acompanharem EaD na quarentena

Estudantes argumentam que aulas online são excludentes, pois muitos alunos não têm acesso à internet ou computador para uso pessoal

Escola Politécnica da USP (Foto: USP imagens)
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Por Maria Frô e Luísa Fragão

A Escola Politécnica e a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) são duas das unidades da instituição pública que enfrentaram impasses para decidir como prosseguir as aulas em tempos de coronavírus. Parte dos professores e da direção acadêmica têm sugerido soluções que nem todos os alunos conseguem se adaptar.

Ambas as faculdades anunciaram o cancelamento das aulas por conta do coronavírus na última sexta-feira (13), para início da "quarentena" na terça (17). No início da última semana, a diretoria da Poli estabeleceu a retomada das atividades escolares por meio da modalidade Ensino à Distância (EaD), e o mesmo foi aplicado por alguns professores do departamento de Ciências Sociais da FFLCH.

Docentes de várias disciplinas passaram a cobrar presença obrigatória por meio de lives, inclusive de aulas que se iniciam às 7h30 da manhã. Aulas com testes online também foram solicitadas em horários específicos. Com isso, a situação para os alunos de baixa renda se complicou, pois muitos não têm acesso regular à internet ou não possuem computador para uso pessoal.

Em entrevista à Fórum, um aluno da USP contou que representantes discentes questionaram a professora Liedi Bernucci, diretora da Poli, sobre os alunos que não tinham internet nem computador para acompanhar as aulas. Ela teria recomendado que os estudantes fossem para as salas Pró-Aluno da USP, onde há computadores e rede Wi-Fi para uso de todos os alunos. Com isso, a ideia da direção era fazer esses alunos sem condições financeiras atravessarem São Paulo, correndo risco de contaminação, para terem as aulas que deveriam ser feitas em casa.

De acordo com o entrevistado pela Fórum, a diretora ainda teria dito aos alunos que "quem fica arrumando porra de problema nesse momento, não vai ser engenheiro porque engenheiro resolve problema".

No sábado (21), o centro acadêmico de Ciências Sociais da USP (CeUPES) enviou um email aos professores chefes de departamento e à diretoria pedindo que todas as atividades online fossem suspensas até que seja possível traçar um panorama mais geral da questão. Ainda, um abaixo assinado foi criado pelo coletivo "Movimento Correnteza" contra o EaD na USP como um todo, sob o argumento de que tal método dificulta a permanência estudantil na universidade. Até então, 144 pessoas assinaram a petição.

Assim como na Poli, representantes discentes da FFLCH também tentaram levar queixas individuais à Comissão de Graduação da unidade, de forma a tornar as aulas EaD mais acessíveis aos alunos de baixa renda.

O departamento de Ciências Sociais da USP ainda não deu uma resposta definitiva aos alunos sobre o prosseguimento do semestre, portanto, cabe a cada professor decidir sobre o futuro de sua disciplina. Alunos consultados pela Fórum, e que não quiseram se identificar, contam que parte dos docentes têm optado por continuar as aulas via EaD, mas mantendo diálogo com os alunos, fazendo votações de qual a melhor forma de prosseguir com as aulas, flexibilizando entregas e atendendo estudantes individualmente quanto a dificuldades de prosseguir com o curso via EaD.

O diálogo entre direção, docentes e discentes também está sendo positivo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAU-USP. Uma estudante da FAU, entrevistada pela Fórum, relata que no curso de Arquitetura "houve um consenso entre a comunidade docente sobre a impossibilidade de dar continuidade do curso de maneira minimamente satisfatória pelo método EAD, impostos em alguns outros institutos da USP."

Com isso, o andamento dos cursos foi suspenso, incluindo todas as aulas computadas, atividades avaliativas, frequência, deixando uma lacuna apenas para discussões em fóruns, atividades e estudos dirigidos com a finalidade de manter uma coesão com a faculdade e proporcionar ocupações nesse período de quarentena.

Entretanto, ela relata que na grade obrigatória do curso de Arquitetura e Urbanismo constam matérias de outros institutos tais como Instituto de Matemática e Estatística (IME) e Poli: "No meu atual período, 5° semestre, há uma disciplina obrigatória que compete à Poli. Fomos informados na na última terça feira (17) que a matéria teria continuidade por aulas e e exercícios online, como todo o instituto tem lidado com a situação. Em contrapartida, não houve por parte da Poli o interesse em saber se todos os alunos teriam condições de assistir as aulas", conta.

Diante deste impasse, a comunidade discente que representa a FAU entrou em contato com os alunos por meio de formulários e planilhas para averiguar as condições de todos os alunos. Foi constatado que uma porcentagem bastante relevante dos alunos possuem problemas de conexão insuficiente, nula ou sem acesso à equipamentos adequados. A aluna entrevistada pela Fórum argumenta: "Ainda que fosse apenas um aluno em condições desfavoráveis, o método EaD seria considerado inapropriado. Eu me enquadro na condição de aluna sem conexão com internet - por motivos de interrupção do serviço com a operadora a partir de uma grande falha no fornecimento por um grande período de tempo. Logo, não tenho condições de assistir as aulas e me equiparar à turma e todos os alunos que possuem essas condições."

Segunda a aluna da FAU, os professores da disciplina da Poli ainda não se posicionaram em relação à problemática e "grande parte dos alunos quer aderir ao sistema EaD, sendo esses alunos os mesmos que possuem acesso e plenas condições de acompanhar a disciplina tal como irá ser ministrada daqui pra frente."

Solidariedade com cotistas

A Poli tem cerca de 5 mil alunos, desses, 1.435 responderam uma pesquisa sobre as condições das pessoas em relação às aulas online. O levantamento foi feito pelo Grêmio, Centros Acadêmicos das Engenharias e demais coletivos da Escola Politécnica da USP, como forma de se pensar meios democráticos para continuar as aulas durante a quarentena.

Cerca de 1/5 da Poli respondeu ao formulário. Das 1.435 respostas obtidas, o resultado foi: 303 estudantes só conseguem estudar em horários específicos (a realidade deles impede que vejam ao vivo as aulas); 45 deles não têm espaço adequado para estudo; 112 não têm bom sinal ou nenhum sinal de internet; 31 têm apenas celular; 10 não têm computador nem celular com condições de acompanhar as aulas.

Há ainda cerca de 600 alunos que moram com alguém de grupo de risco e/ou estão no grupo de risco. Não seria adequado, seguindo as orientações das autoridades sanitárias, que se expusessem a risco nos transportes públicos.

Como a diretoria da Poli "lavou as mãos" tratando o problema social como questão privada dos alunos, ignorando as questões concretas dos cotistas, os representantes discentes, junto com os alunos, estão buscando formas de organizar computadores e redes de internet para os alunos que não têm.

A Associação dos Engenheiros Politécnicos (AEP) está oferecendo cerca de 40 computadores para os alunos como forma de ajuda. Além disso, os alunos de CAs (Centros Acadêmicos) e o Grêmio estão fazendo formulários para ver quais alunos podem emprestar computadores nesse tempo.

Dessa forma, alunos da Poli-USP mostram que estão se encarregando de resolver o problema de modo inclusivo, enquanto direção e professores de modo geral pouco apresentam soluções que contemplem a realidade concreta dos cotistas.

“Manter a obrigatoriedade de ver aulas ao vivo nesse período é um absurdo”, argumenta o estudante da Poli, que prefere não se identificar para evitar represálias.

O estudante conta ainda que a Poli criou um site para acompanhar as disciplinas da faculdade, mas que, de acordo com ele, não foi algo eficaz. Ele diz também que o cotidiano dos alunos está caótico, pois cada docente está lidando de um jeito com as aulas EAD, agindo como se estivessem no espaço físico das salas de aula da Poli sem considerar as diferenças entre aulas presenciais e online. Por outro lado, há relatos de outros alunos que evidenciam os esforços dos professores para se adaptarem a EAD, ampliando o diálogo com os estudantes, preocupados em melhorar a didática.

Em relação ao acesso à internet para os alunos cotistas, os representantes discentes estão dialogando com empresas privadas para fornecer internet para os alunos.

Na FAU, alguns dos alunos têm sugerido políticas parecidas com as dos discentes da Poli, mas a estudante da FAU argumenta que nenhuma delas contemplam todos os alunos com o acesso pleno para acompanhar as aulas EaD. A estudante ainda ressalta que há propostas que extrapolam o bom senso e as recomendações das autoridades sanitárias, como abrigar um aluno temporariamente na própria casa para que esse possa assistir as aulas, que são ministradas uma vez por semana durante 4 horas.

Unifesp

Alunos do campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de Guarulhos têm apresentado outras reflexões sobre o período de quarentena. Estudantes têm considerado o cancelamento total do semestre para não prejudicar nenhum estudante que não tenha condições de acessar os conteúdos EaD.

Em uma discussão no grupo do Facebook da instituição, alunos dizem que o ensino EaD é exclusivo e traz aulas de menor qualidade. Realizar a reposição das aulas nas férias de julho também é um ponto que está sendo considerado pelos estudantes, além da possibilidade de exclusão de disciplinas fora do período original.

Assim como a Poli, FFLCH e FAU, os centros acadêmicos da Unifesp-Guarulhos também divulgaram um formulário para tentar entender qual era a posição da classe estudantil diante do progresso do semestre. Até então, os departamentos da universidade têm decidido de forma autônoma como conduzir o semestre.

Até o momento, a Câmara de graduação decidiu no dia 16/03, que não haverá nenhum tipo de aula nem presencial e nem a distância, até o dia 30/03 como determinado pela reitoria da Universidade. Os docentes que estao solicitando atividades já foram alertados e ainda hoje a Prograd irá lançar uma nota reafirmando isso.

O departamento de Pedagogia da Unifesp, por exemplo, decidiu que não haverá aula de qualquer tipo - presencial ou à distância - até o dia 30 deste mês. Uma nova reunião acontecerá nesta terça-feira (24) para decidir o restante do semestre.

A mobilização dos discentes na Poli teve resultados

Estudantes da Poli informaram à Fórum neste fim de semana que a diretoria da faculdade acatou com as demandas dos discentes em diversos pontos com relação ao prosseguimento do semestre. A diretoria decidiu pelas aulas EaD, mas com uma série de diretrizes para que o acesso seja democrático aos alunos de baixa renda.

Para tanto, duas medidas estão em andamento: doações de computadores e licenças de internet aos alunos vulneráveis. Em retribuição, a Escola Politécnica criará um painel em homenagem a todos doadores pessoa física ou jurídica.

A diretoria também solicitou que os docentes gravem as transmissões ao vivo das aulas para que os alunos possam acessar em outros momentos, além de orientar uma maior flexibilidade no controle de frequência. Provas também deverão ser remarcadas para quando as aulas presenciais voltarem.

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