Exclusivo: "O Exército não deu nenhuma instrução, nada, apenas se livrou do problema. É um absurdo"

O desabafo da mãe de um cadete das Agulhas Negras; Covid-19 se alastra na academia militar em Resende, e os jovens são mandados pra casa sem fazer testes

Academia Militar das Agulhas Negras - AMAN (Foto: Divulgação)
Escrito en CORONAVÍRUS el

Célia Ramos procurou nossa equipe pelas redes sociais. Profissional liberal, de 55 anos, ela queria denunciar a situação absurda dentro da principal academia militar brasileira.

Centenas de cadetes foram mandados pra casa, na última sexta-feira (8), porque a Covid-19 já havia se alastrado entre os jovens que se preparam para virar oficiais do Exército.

Victor, o filho de Célia, não recebeu dos superiores nenhuma instrução, nenhum cuidado médico. Não fez testes pra saber se estava trazendo pra dentro de casa o coronavírus.

A Fórum checou as informações. Contactamos Célia, que nos mandou fotos e registros do filho.

Victor, o filho mais velho, de fato ingressou na carreira militar em 2017. Seguiu para a AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende/RJ), de onde deve sair como oficial no fim do ano que vem.

Publicamos a seguir, em primeira pessoa, o relato de Célia*. É o desabafo de uma mãe, que pergunta: "Será que o Exército quer esconder a gravidade da situação, e seguir a linha do presidente que diz - é só uma gripezinha”?

Relato

Quando ele abriu a porta, e entrou em casa com as malas, eu fiquei muito aliviada. Era melhor ter meu filho por perto nessa hora.
 
Fiquei feliz, mas preocupada também, porque o Victor podia estar já contaminado. Na última semana, ele tinha me contado de vários colegas que testaram positivo pro Coronavírus, dentro da Academia. Ele me disse que já são 27 casos na AMAN. Ou seja, eu sabia que aquele tinha virado um local de risco.
 
Mandaram os cadetes pra casa por três semanas. Meu filho não fez o teste antes de sair de lá. Devem ter achado melhor cada um se cuidar em casa. O Exército não deu nenhuma instrução, nada, apenas se livrou do problema.
 
Será que o Exército quer esconder a gravidade da situação, e seguir a linha do presidente que diz: “é só uma gripezinha”?
 
A imagem que a gente sempre fez de fora é que o Exercito é um lugar super organizado, onde tudo é feito com cuidado. Mas meu filho e os demais cadetes estão totalmente sem noção, ficam fechados naquele quartel, sem saber de nada, acreditando apenas no que dizem os superiores.
 
São uns 1.800 cadetes. Mas meu filho conta que lá circulam 12 mil pessoas. Só os cadetes foram mandados pra casa. E nem todos. Deram opção, pra quem não tivesse condições de voltar pra casa, de ficar nuns hotéis.
 
Ou seja, queriam esvaziar mesmo a AMAN. Aquilo lá deve estar tomado pela COVID, é um absurdo.

No fim do ano que vem, ele vai virar oficial do Exército brasileiro. A gente sabe que essa é uma carreira de risco, nos treinamentos, nas missões em campo... Mas não imagina que o risco vai estar dentro do quartel, por falta de estrutura ou de comunicação.
 
Estou muito preocupada. Não sei se ele está com o vírus, e percebi que meu filho está completamente alienado da realidade da doença.
 
É muita irresponsabilidade do Exército. Temos um presidente militar, que debocha da doença. Eu achava que os comandantes não seguiam tanto essa linha do Bolsonaro, e eram mais responsáveis. Mas a situação tá desse jeito!

Meu filho não percebe o perigo, eu tô chocada. No dia que ele chegou, mandei colocar todas as malas na área de serviço e tirar os sapatos. Passei álcool em tudo. Ficou me olhando, como se eu fosse um ET. Ou seja: na AMAN, eles não devem tomar qualquer cuidado desse tipo.

O Victor tá lidando com isso como se fossem férias. No primeiro dia ele trouxe amigos pra dentro da nossa casa.
 
Olhem o risco: meu filho saiu da AMAN, onde há quase 30 casos de COVID, sem receber nenhuma instrução, sem fazer o teste. Veio pra casa, e pode ter passado o vírus pra nossa família. Pode ter espalhado também pra esses amigos.
 
Quando ele entrou lá, eu pensei em parar de pagar plano de saúde pra ele, afinal estaria no Exército - com toda estrutura. Um tenente disse: “se a sua família pode pagar, não saia do plano”.

Agora, entendi.  Acho que devolveram cada um pra sua casa porque certamente não teriam estrutura no caso de um surto ainda maior.
 
Se está assim no Exército, imagine o que vai acontecer Brasil afora? É muito triste.

*Os nomes da mãe e do cadete foram trocados, para evitar retaliações