Por que a Covid faz menos vítimas fatais no continente africano?

"É um enigma. É absolutamente inacreditável", diz o virologista sul-africano Shabir Madhi

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É uma pergunta que está intrigando cientistas do mundo todo. Os casos de contágio no continente africano são bem menores que na Europa ou Estados Unidos.

Quando surgiram os primeiros casos da pandemia na África, o mundo ficou em alerta. Se a Itália e outros países europeus tinham registrado números assustadores de contágio e mortes, no início da pandemia, tendo o sistema de saúde chegado ao colapso em pouco tempo, o que ocorreria no continente africano?

O temor tinha sua razão de ser, diversos países africanos já enfrentavam outras enfermidades contagiosas, além do mais, o continente negro tem um precário sistema de saúde e sérios problemas sanitários, em muitos lugares falta água e sabão, e há ainda um déficit assustador de saneamento básico.

No entanto, cientistas estão intrigados com as baixas taxas de mortalidade registradas na região em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Até o mês passado o continente inteiro tinha registrado pouco mais de um milhão de casos, com 22 mil mortes.  

Há mais de 19 milhões de casos no mundo. Lembremos que se trata do segundo continente mais populoso do planeta, com 1,2 bilhão de habitantes.

Quando aconteceu o primeiro caso, em 14 de fevereiro, John Nkengasong, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da África, previu uma catástrofe. Não ocorreu. Segundo a BBC News, trata-se de um enigma difícil de decifrar. O nível de pobreza, a alta concentração de pessoas dentro das pequenas residências - o que impede o cumprimento das regras básicas de isolamento social -, fariam da África palco para uma tragédia sem precedentes.

Mesmo a África do Sul, que tem o melhor sistema de saúde do continente, deixava especialistas sob alerta, mas a coisa não se deu como previam. "Achei que estávamos caminhando para um desastre, um colapso completo", disse Shabir Madhi, o principal virologista da África do Sul. A taxa de mortalidade no país é sete vezes mais baixa que no Reino Unido. Sub-notificação? Pouca testagem? Isso somente não explica o fenômeno, admitem os cientistas.

"A maioria dos países africanos não tem pico de infeções. Não percebo porquê. Estou completamente perdido", admitiu Salim Abdoul Karim, chefe da equipa consultiva do Ministério da Saúde sul-africano para a Covid-19. 

Uma das teorias levantadas é a de que as mortes na Europa estão mais relacionadas às pessoas com idade avançada e no continente africano a expectativa de vida é baixa. Menos idosos, menos mortes. Mas isso é bastante relativo, a idade não é mais um fator tão determinante como fora outrora, no início da pandemia. Havia, e isso foi fartamente divulgado, a expectativa de que o vírus não se comportasse da mesma maneira em um clima muito quente, mas isso também já não é mais um dado relevante. E não é apenas o baixo número de mortes que intriga, o vírus não se disseminou no continente como o fez em outros lugares.

Shabir Madhi trabalha com a hipótese de que os africanos já tiveram contágio por outros coronavírus, desses que provocam gripes comuns, o que pode tê-los levado a um certo grau de imunidade. Mas essa é, por enquanto, apenas uma hipótese.

Se não é verdade que não se pode fazer uma comparação entre a África e a Europa, é verdade que pode-se fazer uma correlação com a Índia, por exemplo. Mas ali os números são bastante diferentes aos apresentados em África. Sem falar que no Brasil, nas regiões pobres e densamente povoadas e insalubres, como nas favelas cariocas, tampouco as taxas são baixas como as do continente africano.

O continente já enfrentou surtos graves de ebola, tuberculose, HIV, cólera, entre outras enfermidades, e aprendeu a lidar com essas emergências. O dado concreto é que a maioria dos países foram rápidos na resposta, fronteiras foram fechadas, bares, restaurantes, escolas, igrejas e voos internacionais foram cancelados, as pessoas estavam mais atentas e preocupadas ali do que os negacionistas de alhures.

Não é uma explicação para o fenômeno, é apenas uma constatação.

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