"A experiência de Niterói pode e deve ser aplicada em outros lugares", diz Leonardo Giordano, secretário de Cultura da cidade

Após um ano de gestão à frente da Secretaria das Culturas de Niterói, Leonardo Giordano fala um pouco sobre como o setor cultural da cidade vem enfrentando o crítico momento da pandemia

Leonardo Giordano (Foto: Leo Zulluh)
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Após um ano de gestão à frente da Secretaria das Culturas de Niterói, Leonardo Giordano fala um pouco sobre como o setor cultural da cidade vem enfrentando o crítico momento da pandemia de Covid-19. Com as atividades de público ainda limitadas, a estratégia da Prefeitura em investir na economia criativa fez com que a produção cultural tivesse continuidade, gerando emprego e renda, amparando assim quem vive do fazer artístico no município.

Confira a entrevista.

Como a cidade de Niterói enfrentou a pandemia no que diz respeito à cultura?

A gente entra na Secretaria das Culturas em um momento muito sensível, em 2021, onde as atividades de público ainda estavam restritas para conter o avanço do vírus. Então, a nossa prioridade foi desenvolver, em caráter emergencial, um plano sólido de retomada econômica e cultural para a cidade e, principalmente, para os artistas. O primeiro passo foi aportar recursos em chamadas públicas, editais, para que os artistas pudessem continuar produzindo, de forma remunerada, mesmo dentro de suas casas.

De quanto foi esse investimento e como foi implementado?

Entre auxílios emergenciais, editais e projetos, foram cerca de R$ 36 milhões investidos. Esses aportes alcançaram fazedores de cultura de ponta a ponta da cidade, em todo o território. A descentralização dos recursos foi uma grande conquista. Pela primeira vez, o município comprou produtos prontos dos artistas locais (quadros, esculturas, livros, etc), premiou ideias criativas, abrangeu nos editais de forma inédita setores como Carnaval, Capoeira e Circo, e, dessa forma, os resultados foram muito potentes. Fortalecemos ainda as empresas que atuam no setor, os Pontos de Cultura, organizações de base comunitária, artistas independentes, entre outros. Em um momento difícil, conseguimos fazer com que os recursos chegassem diretamente a cerca de 5.000 fazedores de cultura.

Em um momento crítico a nível nacional para a Cultura, como Niterói consegue se manter firme no avanço das políticas públicas culturais?

É importante dizer que Niterói tem um histórico de investimento em cultura, é uma das cidades que mais investem em cultura a nível nacional. Hoje, 90% dos investimentos em cultura na cidade vêm do Orçamento do próprio município, o que é raro no país. A gente entende que cultura é um direito e que, para uma sociedade potente, é preciso assegurar isso de maneira firme. Todas as nossas ações foram pensadas e planejadas com ampla participação popular (mais de 4.700 pessoas envolvidas diretamente nas decisões), de quem faz cultura na ponta. Isso traz para a gestão pública uma visão real das necessidades e a possibilidade de desenvolver políticas mais assertivas, por meio dessa escuta. A nível nacional, assistimos a um desmonte, um retrocesso, censura e perseguição. Nós seguimos na contramão disso. Nossa prática é a de resistência e valorização, porque acreditamos que, de fato, a cultura tem o poder de transformação social.

As experiências da Cultura de Niterói tiveram repercussão internacional. Você pode contar um pouco sobre isso?

Uma das nossas ações estratégicas foi o desenvolvimento da Carta de Direitos Culturais da cidade. Niterói é a primeira cidade do Brasil a implementar a Carta e uma das poucas no mundo a construir um instrumento vinculante dessa natureza. Por esse pioneirismo, ela se incorpora a um circuito internacional de boas práticas de gestão cultural, ao lado de cidades como Roma (Itália), Freiburg (Alemanha), San Luís Potosí, Mérida (México) e Barcelona (Espanha). O objetivo é a consolidação de um instrumento que garanta o pleno exercício dos direitos culturais pela população. A proposta é baseada no fato de que as autoridades públicas têm o dever de garantir a participação na cultura, consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros tratados e convenções internacionais. É um pacto social para consolidar os direitos, promover, valorizar e estimular a democratização da cultura e a transparência na gestão. Com essa ação, recebemos o apoio da Unesco e do Programa IberCultura Viva, participamos de eventos com gestores da América Latina e até com a Universidade de Hebei, na China, como referência no tema direitos culturais.

Você acredita que as ações de Niterói podem inspirar outras cidades?

Sem dúvidas. Isso já está acontecendo. Estamos, com frequência, sendo convidados para falar sobre a gestão cultural em tempos de crise em outros municípios. A experiência de Niterói pode e deve ser aplicada em outros lugares. São ações que garantem a cultura enquanto direito, resguardam nossa história e memória, mantendo viva nossa identidade. Em tempos de tantos ataques à cultura, é fundamental que as cidades promovam ações de ampliação, resistência e amparo ao setor cultural e à população em geral. Cultura é um direito e é papel do poder público garantir isso ao povo!