FASHION REVOLUTION

O impacto climático da indústria da moda é devastador

Pegada de carbono deixada pela produção global de roupas é equivalente à da França, Alemanha e Reino Unidos juntos

Créditos: Fashion Revolution Brasil
Escrito en CULTURA el

A indústria da moda contribui com aproximadamente 2,1 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em um único ano, o equivalente a 4% de todas as emissões globais. Esse número impressionante é comparável às emissões anuais de GEE da França, Alemanha e Reino Unido combinados.

Essas estimativas são baseadas em dados do Fashion on Climate de 2018, mas espera-se que o setor continue crescendo no futuro. Ou seja, se nossos esforços para reduzir o impacto da moda não forem acelerados rapidamente nos próximos 10 anos, as emissões deverão aumentar para 2,7 bilhões de toneladas por ano até 2030.

O colossal impacto de carbono das roupas ocorre em todas as etapas da cadeia de suprimentos da moda e do ciclo de vida do produto. No entanto, 70% das emissões da moda se originam de atividades como produção e processamento de matérias-primas. 

Apesar disso, a maioria das grandes marcas ainda não toma medidas básicas para a devida diligência ambiental em seus fornecedores. De um modo geral, tingimento e acabamento, preparação de fios e produção de fibras tendem a ser as fases que mais deixam pegadas de carbono. 

Esses processos de alto impacto ambiental são massivamente subestimados pelas marcas de moda, que na maioria das vezes apenas contabilizam as emissões de suas próprias operações, como transporte e varejo.

O impacto da moda na crise climática não diz respeito apenas às emissões de carbono, mas à água, produtos químicos, desmatamento, resíduos têxteis, microplásticos e muito mais.

O planeta vivencia uma emergência climática cujos efeitos já estão sendo sentidos em todo o mundo. De ondas de calor sem precedentes a inundações repentinas mortais, elevação do nível do mar à perda de biodiversidade, está claro que a mudança climática não é uma ameaça futura, mas uma realidade presente.

A indústria da moda tem um impacto devastador no planeta, e os trabalhadores mais vulneráveis do sistema da moda geralmente correm um risco desproporcional de experimentar esses impactos em primeira mão. 

Ao longo de toda a cadeia de fornecimento da moda, os recursos naturais são extraídos, os habitats são explorados, as emissões tóxicas são produzidas, a água é poluída e os resíduos são despejados de forma descuidada.

Como aponta o Índice de Transparência da Moda de 2021, material produzido pelo Fashion Revolution Global, as maiores marcas e varejistas do mundo falam muito sobre seus esforços de sustentabilidade, mas ainda há falta de transparência nas ações e resultados nos principais indicadores ambientais. 

Se as marcas não medirem e divulgarem seus dados em todas as operações, não podemos responsabilizá-las por suas metas climáticas. Toda a indústria da moda precisa ser mais ousada e transparente sobre o que está fazendo para enfrentar a escala do desafio climático global, especialmente quando se trata de impactos ambientais na cadeia de suprimentos e as consequências da produção e consumo insustentáveis.

Aqui no Brasil, a quarta edição do Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB), de 2021, aponta para a mesma direção de falta de transparência. O levantamento avaliou 50 grandes marcas e varejistas do mercado brasileiro, usando como base a divulgação pública de políticas, práticas e impactos sociais e ambientais em suas operações e cadeias de fornecimento. 

O Índice - tanto a edição global quanto a brasileira - mostra que os avanços na transparência de questões-chaves para os direitos humanos e o meio ambiente estão aquém do necessário para encarar os desafios da indústria da moda. No Brasil, o progresso continua lento e, entre as 50 empresas analisadas em 2021, a pontuação média geral foi de apenas 18%, uma queda de 3 pontos percentuais em relação ao levantamento feito em 2020. 

Mas ainda são poucas as marcas que divulgam dados importantes, como suas pegadas de carbono. O ITMB apontou que 32% das empresas publicam uma política sobre energia e emissões de gases de efeito estufa para suas operações próprias, 30% apresentam uma política sobre o mesmo tema para seus fornecedores, e 22% divulgam um compromisso mensurável e com prazo determinado para descarbonização.

A coleta de dados ambientais é prática padrão em muitas indústrias e, dadas as ramificações sociais e ambientais da crise climática, essa é uma questão urgente para a indústria da moda global, considerando seus impactos significativos no planeta. As marcas não podem reduzir comprovadamente seus impactos ambientais se não rastrearem e compartilharem esses dados para permitir uma melhor compreensão entre todas as partes interessadas e o público sobre o trabalho que está sendo feito e onde é necessário mais esforço.

Sabemos que essa questão pode parecer esmagadora e perturbadora. É por isso que é mais importante do que nunca nos unirmos como uma comunidade para agir. Como indivíduos, não podemos resolver a crise climática sozinhos, mas temos o poder de apoiar uns aos outros neste movimento global e fazer uma diferença positiva.

Semana Fashion Revolution 2022

O Fashion Revolution, maior movimento de moda ativista do mundo e presente em cerca de 100 países, inclusive no Brasil, realiza entre os dias 18 e 24 de abril sua principal campanha: a Semana Fashion Revolution. Nesta edição os temas serão "Dinheiro, Moda e Poder".

Ao longo da campanha, o impacto da indústria da moda na emergência climática será um dos temas em debate. Durante a próxima semana será intensificada a convocação de marcas, varejistas, produtores, formuladores de políticas, educadores, designers, estudantes, jornalistas e cidadãos a exigir uma indústria da moda mais justa com as pessoas e o planeta.

Além disso, precisamos ver uma legislação mais rígida internacionalmente que exija transparência e respeito ao meio ambiente, para que as marcas não tenham escolha a não ser tomar medidas para conservar e restaurar o meio ambiente em toda a sua cadeia de suprimentos.

A justiça climática e a justiça social estão interconectadas, pois as mudanças climáticas continuarão a ter impactos socioeconômicos devastadores sobre as pessoas em todo o mundo. Acreditamos que os direitos humanos e os direitos da natureza devem ser abordados em conjunto e, para a indústria da moda, isso significa transformar radicalmente a narrativa dominante de superprodução e superconsumo, e o modelo de negócios construído sobre exploração, extração e desperdício.

Não podemos continuar a extrair recursos cada vez menores de um mundo natural já estressado, poluir nossa terra e nossos oceanos, ficar muito aquém das metas de mudança climática e despejar nossos resíduos nos ombros de países que esgotamos culturalmente. Tampouco podemos continuar permitindo que grandes empresas lucrem enquanto os trabalhadores da cadeia de suprimentos lutam para viver com dignidade.

Como amantes da moda, consumidores de moda e, mais importante, cidadãos globais, é hora de nos unirmos para desacelerar o sistema da moda e priorizar a sustentabilidade real para as próximas gerações.

*Iara Vidal (@iaravidal) é representante do Fashion Revolution em Brasília (DF) e pesquisadora independente dos encontros da moda com a política.