FASHION REVOLUTION

Qual o verdadeiro custo das roupas que você veste?

Para além do que se paga na compra de uma peça para o guarda-roupas, a moda impacta também nas relações sociais, ambientais e políticas

Créditos: Stefanie Sterci Brand / Fashion Revolution Brasil
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A indústria da moda convencional funciona sob a lógica da exploração do trabalho, dos recursos naturais e dos saberes de povos historicamente marginalizados. Riqueza e poder estão concentrados nas mãos de poucos, o crescimento e o lucro acima de tudo são recompensados. 

Não é à toa que a moda é a filha predileta do capitalismo. O setor marca todos os quadradinhos do bingo do grande capital: culto a fantasias (fetiches) e novidades, instabilidade, temporalidade e efemeridade. 

Basta observar a dinâmica da obsolescência imaginada. Uma calça jeans é uma calça jeans. Mas a cada nova coleção, o consumidor é estimulado a achar que a peça que tem no armário não serve mais. Um truque para estimular ainda mais o consumo. A mesma obsolescência imaginada que é adotada para determinar qual a cor e a paleta de cores das peças a cada ano ou estação.

As táticas bem sucedidas da moda podem ser constatadas pelos números. Essa indústria global gerou receita de aproximadamente U$ 1,55 trilhão em 2021, segundo dados da Fashion - Worldwide | Statista Market Forecast. Esse montante vai crescer, aponta o relatório Consumer Market Outlook, que estima que o valor da receita global da indústria da moda aumentará para quase US$ 2 trilhões até 2026.

Para se ter uma ideia do tamanho dessa indústria, se fosse um país seria a 11o economia do mundo, à frente da Rússia, com Produto Interno Bruto (PIB) de US$1,47 trilhão em 2021, e do Brasil, com PIB de US$ 1,44 trilhão no ano passado

Não é de hoje que a moda é a filha predileta do capitalismo. Para que fosse possível ocorrer a revolução industrial, a prática capitalista foi escravizar pessoas do continente africano para cultivarem algodão, a principal fibra natural dessa indústria, nas colônias no continente americano. 

Esse ciclo escravagista e colonialista impulsionou a roda da primeira revolução industrial, quando abandonamos o modo artesanal de fazer roupas, graças ao carvão como energia e ao tear como modo mecânico de produção.

Em sua caminhada a par e passo com o capitalismo, na década de 1980, a indústria da moda soube aproveitar as oportunidades oferecidas pela globalização e seu núcleo ideológico e político: o neoliberalismo. 

Desse período surgiu o fast fashion, a moda rápida que adota um modo de produção e de consumo em que os produtos são fabricados, consumidos e descartados rapidamente em escala global. 

Embora lucrativo para grandes empresas da moda e difundido como estratégia de desenvolvimento pelas economias neoliberais, o fast fashion é uma prática cruel com trabalhadores e meio ambiente. 

Há muitas violências contra a vida de pessoas e do planeta em suas práticas, como o desabamento criminoso do Rana Plaza, em Daka, Bangladesh (2013), que deflagrou o movimento Fashion Revolution. Ou as relações trabalhistas precarizadas e normalizadas para a produção de jeans em Toritama (PE). E ainda a prática de trabalho análogo à escravidão em oficinas de costura escondidas em subsolos de São Paulo (SP). 

Os rios mundo afora são tingidos e envenenados com as cores que colorem roupas, os solos são mortos por uso indiscriminado de venenos para cultivo do algodão, as florestas nativas são transformadas em tecidos e resíduos têxteis de todo tipo são descartados em lixões por todo o planeta. 

O fast fashion desfila todas as mazelas causadas pelo neoliberalismo e é uma espécie de garoto-propaganda dessa doutrina político-econômica. É possível enxergar na indústria global da moda a desregulamentação da força de trabalho e o enfraquecimento ou aparelhamento das forças sindicais, a diminuição gradativa dos direitos trabalhistas e no padrão médio de vida da classe trabalhadora. 

O sistema de moda opera produzindo rápido demais e nos manipulando em um ciclo tóxico de consumo excessivo. Enquanto isso, a maioria das pessoas que fazem nossas roupas não recebe o suficiente para suprir suas necessidades básicas, e já sentem os impactos da emergência climática – que a indústria da moda alimenta.

O Brasil, fundado a partir de um sistema exploratório e colonial, carece de profunda conexão com a sua verdadeira cultura de moda, que reconheça e valorize os saberes de povos originários, para assim poder caminhar em direção a um sistema de moda justo e equitativo para a sociedade e o planeta.

Na Semana Fashion Revolution 2022, realizada de 18 a 24 de abril em cerca de 100 países e, no Brasil, em 90 cidades de 20 estados e no Distrito Federal, vai abordar os eixos temáticos "Dinheiro, Moda e Poder".

O propósito do movimento global de moda ativista é mobilizar pessoas, amplificar vozes não ouvidas ou marginalizadas, e trabalhar juntos em prol de soluções efetivas. Entre essas questões está a falta de compreensão sobre o real custo das roupas e sobre a verdadeira cultura de moda brasileira. 

Um dos caminhos para resolver essa questão é fomentar a conscientização e a educação para uma maior compreensão do verdadeiro custo do vestuário, bem como seu valor social, cultural e ambiental.

O primeiro passo para saber qual o verdadeiro custo da roupa que você veste e para transformar a indústria da moda em um setor mais transparente e justo com as pessoas e o planeta é perguntar: #QuemFezMinhasRoupas.

*Iara Vidal (@iaravidal) é representante do Fashion Revolution em Brasília (DF) e pesquisadora independente dos encontros da moda com a política.