CENSURA?

Após cancelar lançamento do livro de Boulos, Masp veta fotos do MST em exposição

Museu de Arte de SP alega que materiais a serem exibidos foram requisitados fora do prazo estipulado, informação que é negada pelas curadoras; MST chama atenção para "gravidade" da situação

Militantes do MST - foto meramente ilustrativa, não está no conjunto que seria exposto.Créditos: Pablo Vergara/MST
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O Museu de Arte de São Paulo (Masp) vetou um conjunto de materiais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre fotos e documentos, que seria exibido na exposição "Histórias Brasileiras", prevista para julho, e com isso parte da mostra foi cancelada. Também foram vetadas fotografias dos artistas João Zinclar, André Vilaron e Edgar Kanaykõ.

As obras estariam em exposição no núcleo "Retomadas" da mostra, a maior do Masp neste ano. Os artistas envolvidos foram avisado do veto pelas curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz, que optaram por não participar mais da mostra após o veto da organização do museu. 

Segundo as curadoras, o museu alegou que as fotografias e documentos não poderiam ser expostos pois o prazo estipulado para o empréstimo das obras teria sido extrapolado. Sandra e Clarisse, no entanto, dizem que não foram avisadas pela instituição sobre essa data limite.

"Aceitar a exclusão das imagens das retomadas em nome da permanência do núcleo nos levaria a ser desleais com os sujeitos e movimentos envolvidos na nossa curadoria – contradição que não estamos dispostas a negociar por não concordar com tamanha irresponsabilidade", afirmam as curadoras. 

O veto às fotos do MST na exposição vem pouco após o Masp cancelar o evento lançamento de um livro de Guilherme Boulos (PSOL), que estava previsto para o dia 3 de maio. Na ocasião, o museu alegou que é "uma instituição privada sem fins lucrativos, independente e isenta, cujo estatuto proíbe a realização de quaisquer manifestações de caráter político". 

No caso relacionado ao movimento social, o Masp diz que "não se trata então de uma restrição em termos de conteúdo, mas sim única e exclusivamente de cronograma institucional". 

Já as curadoras, no e-mail enviado aos artistas, rebatem: "Impedidas de levar adiante nosso acordo com o Movimento Sem Terra, seus fotógrafos e Edgar Kanaykõ como sanção a um erro que sabemos não ter cometido, sentimo-nos desrespeitadas, injustiçadas e instadas, em consequência de tal decisão, a trair a confiança deste que não é só o maior movimento social do Brasil, como também é a coluna vertebral do 'Retomadas'". 

Confira abaixo a íntegra da nota do MST sobre o caso 

SOBRE A DECISÃO DO MASP QUE DESRESPEITA A HISTÓRIA DO MST

Viemos, através desta declaração, manifestar nossa indignação com a atitude da direção do MASP que levou a impossibilidade de realização do Núcleo “Retomadas”, como parte da mostra Histórias Brasileiras.

Como informa e-mail recebido das curadoras no dia 03/05/2022, sob alegações de cunho burocrático e legalista que não se sustentam na efetiva realização do projeto, o MASP inviabilizou a inserção de imagens do Acervo do MST, do Acervo João Zinclar e de outros acervos que documentam a trajetória do MST e da luta pela Reforma Agrária no Brasil.

Somos testemunhas da forma ética e profissional com que as curadoras e os acervos parceiros se empenharam na produção do projeto, em todas etapas e em acordo com as demandas da instituição.

Afirmamos nosso respeito e apoio às curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz, responsáveis pelo Núcleo “Retomadas”, que diante da atitude do MASP decidiram não participar da mostra, pois, como declaram: "Aceitar a exclusão das imagens das retomadas em nome da permanência do núcleo nos levaria a ser desleais com os sujeitos e movimentos envolvidos na nossa curadoria – contradição que não estamos dispostas a negociar por não concordar com tamanha irresponsabilidade."

Como afirmam as curadoras: "O Retomadas é sobre a urgência de revermos as éticas e políticas coloniais de nossos territórios, línguas, corpos, representações e museus. Do nosso ponto de vista, mantê-lo à revelia da representação das próprias retomadas que lhe dão título, argumento e sentido social nos levaria a ser anti-éticas em nome da ética, excludentes em nome da inclusão, não-representativas em nome da representatividade, expropriadoras em nome da não-apropriação, silenciadoras em nome da voz. Nos levaria, por fim, a praticar a colonialidade contra a qual o núcleo se insurge".

O material selecionado pelas curadoras - imagens fotográficas, cartazes, cartilhas e jornais impressos - são testemunhos da capacidade da classe trabalhadora de se apresentar firme e altiva como sujeito de sua história, em todos os sentidos.

Destacamos que ao inviabilizar a inserção da totalidade desses documentos o que de fato se efetiva é a exclusão de um dos maiores movimentos sociais da história contemporânea brasileira e latino-americana. Decisão que aponta para uma construção de conhecimento histórico distorcido e comprometido com uma cultura deturpadora da real complexidade da história política brasileira.

Atitude que, no mínimo, está em desacordo com a função social de uma instituição museológica que se apresenta em seu site com a seguinte missão: “O MASP, Museu diverso, inclusivo e plural, tem a missão de estabelecer, de maneira crítica e criativa, diálogos entre passado e presente, culturas e territórios, a partir das artes visuais. Para tanto, deve ampliar, preservar, pesquisar e difundir seu acervo, bem como promover o encontro entre públicos e arte por meio de experiências transformadoras e acolhedoras. ”

Portanto, questionamos a atitude excludente da direção do MASP, apontamos a gravidade deste tipo de construção de conhecimento que invisibiliza a luta da classe trabalhadora e chamamos toda a comunidade cultural e entidades que representam as lutas do povo brasileiro para este debate, que se reveste da urgência de não ceder à censura e ao apagamento de nosso maior patrimônio: nossa capacidade de luta organizada para construir um outro modelo de sociedade.

Pátria Livre, Venceremos!

Acervo João Zinclar

Coletivo de Arquivo e Memória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

 

 

 

 

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