CINEMA

Fernanda Torres: “quando os militares decidiram que era hora de terminar, ainda estavam no comando”

Filme que visibilizou ferida aberta no Brasil faz resgate central da memória de desaparecidos na ditadura militar para as próximas gerações através da história de Eunice e Rubens Paiva

Fernanda Torres no filme 'Ainda Estou Aqui'.Créditos: Divulgação
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A estreia de Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, marcou a segunda-feira (13) em Nova York. O filme retrata a contenção e resistência de Eunice Paiva diante do desaparecimento de Rubens Paiva, seu marido, na ditadura militar no Brasil, expondo uma das maiores feridas do país – a repressão durante os 21 anos de ditadura militar nos quais mais de 200 cidadãos brasileiros desapareceram e muitos foram torturados. Até hoje militares que cometeram os crimes seguem na impunidade e muitas famílias não sabem onde estão os corpos.

Parentes de outras dezenas de vítimas da ditadura conseguiram certidões semelhantes à de Eunice, referentes a corpos, como o do ex-deputado, que nunca foram encontrados. O relatório final da Comissão da Verdade, concluído em 2014, identificou 210 desaparecidos durante o regime militar (incluindo Paiva). Apenas mais recentemente que certidões como essas estão sendo corrigidas, com a causa da morte declarada como: “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática a dissidentes políticos durante o regime ditatorial de 1964”.

A exibição do longa em Nova York provocou um grande debate sobre memória e justiça, e aconteceu uma semana após a conquista histórica do Globo de Ouro por Fernanda Torres. A atriz, com chances de ser indicada ao Oscar, apresentou ao público estrangeiro os gargalos enfrentados pela democracia brasileira e o problema da anistia. “No Brasil, a ditadura durou 21 anos. E quando os militares decidiram que era hora de terminar, eles ainda estavam no comando”, afirmou, segundo o relato apresentado pelo jornalista Jamil Chade

“No Brasil, houve um acordo: nós [os militares] perdoamos vocês, e vocês esquecem o que aconteceu durante a ditadura. Mas esse fantasma vem à tona novamente e tenta ganhar vida”, destacou Fernanda acerca da tentativa de golpe pelo governo Bolsonaro, descoberta em novembro de 2024.

Torres observou que, na Argentina, onde a ditadura militar foi encerrada após seis anos pela derrota dos militares na Guerra das Malvinas, o contexto permitiu que a sociedade civil responsabilizasse os envolvidos nos crimes do regime. “É muito impressionante que agora a Suprema Corte utilize o filme para dizer: ‘espere um minuto, desaparecimento forçado é um crime contínuo e não pode ser parte da anistia’”, disse.

“Se tivéssemos concluído este filme há quatro anos, durante o governo de Jair Bolsonaro, ele provavelmente não teria sido lançado. Tivemos uma janela. Foi possível por existir o sentimento de que a democracia poderia ser salva”

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Walter Salles destacou a importância da teledramaturgia como ferramenta de justiça. “Estamos ao lado de Eunice. Os crimes da ditadura precisam ser julgados e punidos, como ocorreu na Argentina e no Chile. É por isso que golpes continuam acontecendo no Brasil: porque os responsáveis nunca foram julgados”, completou o diretor.

O longa mostra o poder da arte, tanto no passado, presente quanto no futuro, como uma das formas mais resistentes e acessíveis contra a polarização política, a violência e a desinformação, além de promover o debate sobre assuntos caros à sociedade e educar as próximas gerações.

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