LITERATURA

O mestre do apocalipse: conheça livro e autor vencedores do Prêmio Nobel de Literatura 2025

Com um estilo sombrio e denso, o escritor vencedor do Nobel de Literatura 2025 reacende a esperança na "literatura por si mesma", como forma de resistência estética a uma moral social colapsada

O Tango de Satã - filme.Créditos: Mubi / divulgação
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A Academia Sueca, responsável pela concessão do Prêmio Nobel de Literatura — premiação internacional que existe desde 1901 e já laureou 122 escritores em 118 edições — anunciou como vencedor do Nobel 2025 o escritor húngaro László Krasznahorkai, de 71 anos, “por sua obra fascinante e visionária que, em meio ao terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”.

Krasznahorkai foi eleito com a obra Sátántangó, publicada no Brasil pela Companhia das Letras. Descrito por seu estilo denso, recheado de frases longas e desespero existencial, o escritor foi apelidado pela renomada crítica literária norte-americana Susan Sontag — cineasta, filósofa, professora e ensaísta — de “o mestre do apocalipse”.

A denominação se dá pela sensação de um acentuado colapso moral invocada por suas obras. Em Sátántangó, publicada originalmente em 1985, que se tornou sua obra seminal, a narrativa gira em torno de uma pequena aldeia húngara pós-comunista em que há uma chuva constante, um clima inesgotável de estagnação e uma marginalização crônica da população, imersa em tramas pessoais de traição, insatisfação existencial e alguma esperança.

Na obra vencedora do Nobel, o clímax se instala com a chegada de Irimiás à vila, um personagem de aparência sobrenatural que  reacende a esperança de uma população que quer fugir da decadência e do cenário absurdista invocados pela narrativa fragmentada — já adaptada para um filme de sete horas de duração (traduzido como O tango de Satã), dirigido pelo cineasta húngaro Béla Tarr em 1994.

Capa do filme Sátántangó, com direção de Béla Tarr (1994).
Créditos: divulgação

O misterioso Irimiás, que não se sabe se tratar de um vigarista, um profeta ou um enviado do próprio diabo, provoca reações diversas entre os habitantes da vila sem nome na Grande Planície Húngara, que logo lhe oferecem doações acreditando ingenuamente em sua figura de salvador.

Escrita de forma hermética, a obra tem parágrafos longos, por vezes transformados em capítulos inteiros, e uma estilística que privilegia um fluxo narrativo contínuo que parece se dilatar no tempo.

Krasznahorkai, nascido na Hungria em 1954, é graduado em literatura e filosofia, e seu estilo de escrita foi sempre peculiar. Antes do Nobel, já havia sido reconhecido com outras premiações internacionais: em 2015, ganhou o Man Booker International Prize, concedido no Reino Unido, a cada dois anos, a um autor de ficção vivo com obra publicada em língua inglesa.

Em entrevista ao corpo técnico do Prêmio Nobel, Krasznahorkai afirmou que ter sido selecionado prova que a literatura pode “existir em si mesma”, além de expectativas não literárias, como “recurso para resistir em tempos difíceis”.

A Academia Sueca declarou que a obra escolhida é capaz de “reafirmar o poder da arte em meio ao terror apocalíptico”, funcionando como resistência e transcendência estética para além do conteúdo.

Em meio a uma previsão já apocalíptica dos atuais sistemas social, econômico e ecológico, o retorno a uma obra do século 20 que evidencia traços de crise moral, subjetiva e estética parece reacender a esperança de tratar o colapso como fonte de inspiração transformadora — mesmo sob um estilo mais sombrio, e talvez exatamente por isso.

O choque psicológico do enredo de Krasznahorkai, assim como seu modo de escrita “desconfortável”, podem dar vazão a dimensões filosóficas mais humanas e profundas, de acordo com a Academia, estendidas para além do entretenimento puro, e que recoloquem a condição humana como tópico central no pensamento “pós-apocalíptico” dos nossos tempos.

Outras publicações de Krasznahorkai são esperadas para o próximo ano.

No Brasil, a Companhia das Letras anunciou a publicação de O Retorno do Barão Wenckheim, narrativa que acompanha um barão em seu retorno à terra natal no fim da vida, e que já circula em outras línguas. Outro romance do autor, Herscht 07769 — escrito em uma única frase, com mais de 400 páginas —, também deve ganhar, em breve, edição em português.

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