No primeiro episódio da série Lupin, sucesso mundial da Netflix e orgulho da ficção francesa, o carismático Assane Diop, interpretado por Omar Sy, trabalha como faxineiro terceirizado no Museu do Louvre. À primeira vista, ele parece apenas mais um funcionário anônimo, limpando os corredores e observando vitrines com aparente indiferença.
Mas o que ninguém imagina é que aquele homem silencioso está prestes a executar um plano de proporções cinematográficas: roubar um colar de diamantes lendário, o mesmo que décadas antes havia sido o pivô da desgraça de seu pai.
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Assane se infiltra entre os funcionários, manipula câmeras de segurança, recruta criminosos sem revelar sua verdadeira identidade e transforma o próprio Louvre em palco de um espetáculo milimetricamente orquestrado.
O colar — que teria pertencido à rainha Maria Antonieta — reaparece em um leilão, e o evento se torna o cenário ideal para o golpe. Durante o lance, os comparsas simulam um assalto violento, mas, enquanto o caos toma conta do salão, Assane substitui a joia verdadeira por uma réplica, a esconde em uma mochila de entregador e desaparece sem levantar suspeitas.
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A cena é um verdadeiro balé criminal: tudo é feito com precisão, ironia e elegância, embalado por música clássica. No fim, o público descobre que o roubo não é movido por ganância, mas por justiça. O colar representa uma acusação injusta que levou seu pai, Babakar Diop, à prisão e à morte.
Inspirado pelo livro As Aventuras de Arsène Lupin, Assane transforma a dor em propósito e assume o papel de um ladrão cavalheiro, que desafia o poder e desmascara a hipocrisia da elite francesa. O episódio termina com ele observando Paris do alto, o colar nas mãos, como um mestre do disfarce que joga xadrez enquanto o mundo joga damas.
Era ficção — até o último domingo.
O roubo real
Na manhã de domingo (19), a realidade imitou a arte. Um grupo de quatro homens mascarados entrou no Museu do Louvre, em plena luz do dia, e roubou oito joias da coroa francesa em menos de cinco minutos. Os criminosos chegaram disfarçados de operários de manutenção, usaram uma plataforma elevatória para alcançar uma janela lateral, quebraram vitrines da Galerie d’Apollon — a mesma onde ficam as joias de Maria Antonieta e de Napoleão — e fugiram em duas motos antes que a polícia fosse acionada.
Entre os itens levados estavam conjuntos de safira e esmeralda usados pelas esposas de Napoleão Bonaparte e o broche de diamantes da imperatriz Eugênia. Uma das peças, a coroa de esmeraldas de Eugênia, foi encontrada do lado de fora do museu, quebrada. Nenhum visitante ficou ferido, mas o Louvre foi fechado para perícia e avaliação dos danos.
A ministra da Cultura, Rachida Dati, chamou o caso de “uma operação profissional de quatro minutos”. Já o presidente Emmanuel Macron classificou o assalto como “um ataque ao patrimônio nacional”. As autoridades investigam se o grupo teve acesso antecipado às plantas do museu e se contou com ajuda interna.
Comparação com Lupin bomba nas redes
A coincidência entre o crime real e o enredo de Lupin é inevitável — e perturbadora. Assim como na série, o roubo foi meticuloso, teatral e executado com disfarces e precisão. Nas redes sociais, a comparação entre a ficção e o crime real rapidamente chegou aos trending topics.
A série que previu o crime
Lupin é uma das produções francesas mais bem-sucedidas da Netflix. Criada por George Kay e François Uzan, combina entretenimento e crítica social, atualizando o mito do “ladrão de casaca” para o século 21. O protagonista Assane Diop é inspirado em Arsène Lupin, personagem criado em 1905 pelo escritor Maurice Leblanc, e usa a astúcia e o charme do famoso ladrão como arma contra as injustiças e desigualdades da França moderna.
O sucesso da série foi imediato: em poucos dias, tornou-se a produção francesa mais assistida da história da plataforma, alcançando o topo em mais de 190 países. O carisma de Omar Sy, já consagrado por Intocáveis (2011), ajudou a consolidar o personagem como símbolo de inteligência, elegância e resistência social.
Dividida em partes, a série acompanha Assane em sua jornada de vingança e justiça:
- Parte 1 (2021) – mostra o roubo do colar e o passado trágico de seu pai;
- Parte 2 (2021) – encerra a vingança contra o empresário corrupto Hubert Pellegrini;
- Parte 3 (2023) – apresenta as consequências de seus atos e seu retorno à clandestinidade;
- Parte 4 (2025) – em produção, promete explorar a infância de Assane e novos crimes ligados à arte europeia.
A mistura de thriller policial, drama social e filme de assalto fez de Lupin uma obra que transcende o gênero, explorando temas como racismo estrutural, paternidade, ética e desigualdade — sempre com Paris como pano de fundo.
Roubo e arte no cinema
O Museu do Louvre sempre exerceu um poder magnético sobre o cinema. Mais do que cenário, ele se tornou símbolo de mistério, genialidade e transgressão — o lugar onde o belo e o proibido se encontram. Diversos filmes exploraram essa aura de fascínio, transformando o museu em palco de crimes, conspirações e assaltos cinematográficos.
Em O Código Da Vinci (2006), de Ron Howard, o Louvre é o ponto de partida de uma trama que mistura assassinato, simbologia e religião. Já em Belphégor – O Fantasma do Louvre (2001), estrelado por Sophie Marceau, uma entidade sobrenatural provoca o desaparecimento de artefatos do acervo, numa mistura de suspense e mitologia egípcia.
Jean-Luc Godard eternizou o museu em Bando à Parte (1964), filme em que três jovens atravessam correndo os corredores do Louvre, tentando bater o recorde de visita mais rápida — uma sequência que se tornaria símbolo da Nouvelle Vague, movimento do cinema francês que, entre os anos 1950 e 1960, rompeu com as convenções da indústria cinematográfica.
Com cineastas como Godard e François Roland Truffaut, a Nouvelle Vague defendia um cinema livre, autoral e experimental, feito com câmeras leves, baixo orçamento e narrativas espontâneas e realistas. Essa revolução estética transformou a linguagem do cinema moderno e influenciou diretores no mundo inteiro.
Décadas depois, a série Lupin (2021–presente) retomou o espaço como cenário de um roubo engenhoso, filmado dentro do próprio museu — algo raríssimo na história do cinema.
Em todas essas produções, o Louvre é mais que um cenário: é um arquétipo do impossível, o templo da arte que desperta tanto reverência quanto tentação.
O glamour do crime reaparece em Oito Mulheres e um Segredo (Ocean’s 8, 2018), que, embora ambientado no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, tornou-se uma comparação inevitável. O filme consolidou o modelo do assalto luxuoso, repleto de disfarces, elegância e joias históricas — o mesmo tipo de narrativa que inspira o imaginário contemporâneo sobre o “golpe perfeito”.
Outros roubos reais no Louvre
A história do museu também é marcada por crimes reais que misturam arte, política e ousadia — episódios que, muitas vezes, parecem saídos de roteiros de cinema.
- O roubo da Mona Lisa (1911): o italiano Vincenzo Peruggia, funcionário do museu, escondeu a obra sob o casaco e a manteve guardada por dois anos. O crime transformou a Mona Lisa na pintura mais famosa do mundo.
- Roubo de joias da coroa (1792): durante a Revolução Francesa, o Tesouro Real foi arrombado e centenas de joias desapareceram — entre elas o famoso diamante Regente, depois recuperado.
- Saques nazistas (1939–1945): mesmo após a evacuação das galerias, dezenas de obras do acervo foram roubadas por oficiais alemães durante a ocupação da França.
- O busto romano desaparecido (1978): uma escultura antiga sumiu sem deixar vestígios. Suspeita-se de envolvimento interno, mas a peça jamais foi encontrada.
- Furtos discretos nos anos 1980 e 1990: durante reformas e a construção da Pirâmide de Pei, manuscritos e objetos arqueológicos desapareceram. Investigações apontaram para esquemas com participação de funcionários.
- Roubo de candelabros e molduras (1993): dois homens armados invadiram uma área em obras e fugiram com peças do século XVIII, avaliadas em mais de 100 mil euros.
- Tentativa frustrada (2009): a polícia francesa impediu a ação de uma quadrilha que planejava roubar obras da nova ala de arte islâmica.
- Roubo de 2025: o mais recente e audacioso. Quatro homens mascarados, disfarçados de operários, levaram oito joias da coroa francesa em menos de cinco minutos — o maior assalto ao Louvre desde o desaparecimento da Mona Lisa.
História do templo da arte francesa
O Museu do Louvre, em Paris, é hoje o maior e mais visitado museu de arte do mundo, mas sua trajetória reflete a própria história da França — uma narrativa de reis, revoluções, guerras e renascimentos culturais.
Construído no século XII pelo rei Filipe II, o Louvre começou como fortaleza militar. No século XVI, o rei Francisco I transformou-o em palácio real, convidando artistas italianos — entre eles Leonardo da Vinci, que trouxe consigo a Mona Lisa. Com o tempo, o Louvre tornou-se um símbolo da monarquia francesa, ampliado e decorado por gerações de soberanos.
A Revolução Francesa, em 1789, marcou uma virada decisiva: o palácio real se transformou em patrimônio do povo. Em 1793, o Muséum Central des Arts abriu as portas com 500 obras confiscadas da nobreza e da Igreja — o nascimento do Louvre como museu público.
Durante o governo de Napoleão Bonaparte, o acervo cresceu rapidamente com obras trazidas de campanhas militares pela Europa. O museu chegou a ser rebatizado como Museu Napoleão, e mesmo após a queda do imperador, muitas das peças conquistadas permaneceram, consolidando o Louvre como um dos maiores centros de arte do planeta.
Nos séculos seguintes, o Louvre continuou se expandindo e modernizando. Recebeu obras-primas como a Vênus de Milo e a Vitória de Samotrácia, sobreviveu à Segunda Guerra Mundial graças à evacuação do acervo e, em 1989, ganhou um novo marco arquitetônico: a Pirâmide de vidro, criada por Ieoh Ming Pei, símbolo da união entre tradição e modernidade.
Hoje, o Louvre ocupa 72 mil metros quadrados, abriga mais de 35 mil obras expostas e recebe mais de 8 milhões de visitantes por ano. Entre suas peças mais famosas estão Mona Lisa, A Liberdade Guiando o Povo e O Juramento dos Horácios.
Um símbolo de fascínio e tentação
Com mais de oito séculos de história, o Louvre permanece como símbolo máximo da civilização artística — e, paradoxalmente, um dos alvos mais tentadores do mundo.
De revolucionários a ladrões modernos, todos parecem atraídos pela mesma ideia: desafiar o impossível e tocar, mesmo que por instantes, o poder e a beleza que a arte representa.
E, como o roubo deste fim de semana provou, a fronteira entre o cinema e a realidade nunca foi tão tênue.