Em plena ditadura civil-militar, um homem viaja à capital de Pernambuco para visitar o filho. Ao parar para abastecer o seu Fusca amarelo, Armando (Wagner Moura) estranha a presença de um corpo largado há dias na estrada. A polícia, entretanto, parece mais interessada em arrumar um motivo para acossar o homem e, com sorte, suborná-lo por alguma coisa, até um extintor vencido, do que investigar o assassinato. Essa visão de um país com instituições corruptas, com cadáveres largados à vista em pleno Carnaval, abre “O Agente Secreto”, novo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho (“Bacurau”, “Aquarius").
Ambientado no Recife dos anos 1970, o filme enfoca o drama de Armando para conseguir se reunir com o seu filho e viver sem medo de ser perseguido. Embora o longa-metragem seja ambientado na ditadura, vem aos poucos o entendimento de todo o contexto da fuga e do retorno do personagem, que não retorna à casa onde o filho mora com os avós. Ele se hospeda, na verdade, com Dona Sebastiana (Tânia Maria), que também acolhe clandestinamente outros chamados “refugiados”. Logo, ele descobre que está com a cabeça a prêmio, por ter desafiado interesses econômicos de um empresário influente.
“O Agente Secreto” chega aos cinemas no dia 6 de novembro cercado de expectativas, depois de faturar os prêmios de Melhor Ator para Wagner Moura e Melhor Direção para Kleber Mendonça Filho no Festival de Cannes, acendendo a esperança de repetir o sucesso de “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, na temporada de premiações. O trailer, montado pela talentosa Marina Kosa, revela pouco da trama - algo raro nos dias de hoje, mas que reflete a essência do filme, que vai desenrolando a sua narrativa em camadas, sem pressa, entregando aos poucos as informações necessárias.
Essa estratégia narrativa fortalece “O Agente Secreto”, uma vez que mantém o espectador vidrado, aos poucos coletando informações mentalmente e criando sentidos. Além da atuação premiada de Moura, o filme tem outro destaque: Tânia Maria, que já trabalhou com Mendonça Filho em “Bacurau”, conquista imediatamente a simpatia do público e garante alívio cômico para uma trama dura. A obra conta ainda com Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido e Alice Carvalho no elenco.
Sutileza não é o que se espera de um filme com o título como “O Agente Secreto”, mas é a tônica do longa-metragem. Em nenhum momento, por exemplo, fala-se na ditadura civil-militar: mas sabemos que ela está lá, permeando todo o contexto e as relações, especialmente os agentes corruptos, tanto do poder público quanto do privado.
Assim como o ganhador do Oscar “Ainda Estou Aqui”, “O Agente Secreto” fala, principalmente, sobre afetos e as dores de uma ausência - em ambos os casos, causadas por violência de um sistema opressor e corrupto. A abordagem é completamente diferente, mas os filmes guardam uma certa similaridade, tanto pelo contexto quanto pela temática.
Uma das maneiras de o roteiro falar sobre esses temas é por meio do próprio cinema. O Cinema São Luiz, em Recife, local onde foi realizada a primeira exibição brasileira de “O Agente Secreto”, é um dos personagens do filme, e esse recurso funciona tanto como uma memória afetiva da experiência de ir ao cinema na época, com a exibição de clássicos como “Tubarão” e “A Profecia”, quanto para refletir sobre a passagem do tempo e a fisicalidade das memórias. No caso do longa-metragem de Spielberg, que coincidentemente reestreia em comemoração dos seus 50 anos nos cinemas brasileiros, a escolha ainda evoca a figura do tubarão, repetida durante toda a projeção - em uma cidade notória pela presença do animal em suas águas, o tubarão é mais que uma figura local no filme: é ele, por exemplo, que engole a perna cabeluda, um recurso inusitado que funciona de maneira inteligente em “O Agente Secreto”. Além, é claro, de ambas as obras falarem sobre autoridades corruptas.
Com uma trama simples, mas desenvolvida com sutileza, humor e sensibilidade, “O Agente Secreto” mostra o potencial criativo do cinema brasileiro com uma experiência sensorial e envolvente - do nonsense da perna cabeluda ao carisma da Dona Sebastiana, o longa-metragem já nasce como um possível marco da produção nacional.