Os filmes de terror são uma categoria tão antiga quanto a própria história do cinema. Enquanto a chamada sétima arte dava seus primeiros passos, o mundo já conhecia em 1896 a primeira obra do gênero.
A Mansão do Diabo (Le Manoir du diable, no original em francês), filme mudo de Georges Méliès, trazia truques de fotografia para retratar seres sobrenaturais como o o próprio personagem do título, além de fantasmas e bruxas. Também foi um marco por utilizar efeitos especiais em uma cena na qual há a transformação de uma pessoa em morcego.
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De lá pra cá, o gênero ganhou inúmeras ondas e, com a popularidade do cinema, passou também a ser um retrato dos medos e anseios das pessoas em cada época.
"Quando Nosferatu (1922) lançou sua sombra, não foi apenas um vampiro que causou arrepios no público: foi a Europa do período entre guerras se vendo refletida em uma criatura doentia e alienígena, uma ameaça externa que ameaçava destruir uma ordem social já em ruínas. Desde então, cada geração encontrou seu próprio monstro nas telas", explica a professora universitária de Artes e Educação da Universidade Camilo José Cela, na Espanha, Lara López Millán.
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Paranoia e monstros grotescos
Dentro da lógica do terror funcionando como uma espécie de espelho, os monstros dos filmes da Universal, lançados em produções como Drácula (1931), Frankenstein (1931) e O Lobisomem (1941) eram ao mesmo tempo aterrorizantes e fascinantes, porque, destaca Millán, em artigo no The Conversation, personificavam medos muito contemporâneos: a ciência descontrolada, o corpo debilitado, o diferente ameaçando o familiar.
"Com o tempo, a névoa se dissipou e o terror começou a se voltar para o futuro. As décadas do pós-guerra trouxeram um novo tipo de pânico, mais tecnológico, mais científico. De repente, as ameaças vinham do espaço sideral ou de laboratórios secretos: alienígenas, mutantes, experimentos que deram errado", explica.
Nesse contexto surgem filmes como O Dia em que a Terra Parou (1951) e O Monstro do Ártico (1951) capturaram a paranoia de um planeta dividido em blocos, enquanto Eles! (1954) e Godzilla (1954) deram "forma grotesca à ameaça nuclear com formigas gigantes e criaturas nascidas da radiação. A bomba atômica estava na mente de todos, e o cinema canalizou isso em invasões, mutações e suspeita coletiva".
O terror mora ao lado
Contudo, como destaca Millán, uma das formas mais perturbadoras encontradas pelos filmes de terror para amedrontar o público não dependia de criaturas sobrenaturais.
"Quando Alfred Hitchcock lançou Psicose (1960), o público descobriu que o perigo podia estar bem ao lado. Norman Bates era um homem comum, tímido e gentil. Ele não precisava de presas ou garras para matar. Isso refletia a incerteza de uma era marcada por mudanças sociais e pela erosão da confiança nas instituições: a década de 1960 trouxe consigo tensões urbanas, movimentos sociais e a sensação de que a ameaça podia vir do vizinho ou até mesmo da própria família", pontua.
A professora na Universidade Estadual do Arizona, Michelle Martinez, que ministra cursos para o programa de Estudos de Cinema e Mídia, pontua como estes filmes que exploravam o medo em situações teoricamente tranquilas passaram a ganhar as telas.
"Podemos definitivamente usar as tendências dos filmes de terror ao longo das décadas para acompanhar o espírito da época. Por exemplo, a ascensão de filmes slasher como Halloween (1978) e Sexta-Feira 13 (1980) explora a ideia da violência invadindo espaços aparentemente seguros. Nos anos 1980, os subúrbios eram vistos como um lugar seguro, onde a vida suburbana representava a manifestação do sonho americano do pós-guerra, com a cerca branca, os quintais e as crianças indo para a escola sem problemas; mas, neste ciclo de filmes de terror, esse é o campo de caça onde assassinos em série perseguem suas vítimas", explica, nesta entrevista.
Horror e reflexão
Assim como as diversas formas de arte, os filmes de horror refletem o contexto, a cultura e os problemas que as sociedades enfrentam. E muitas obras passam a trazer reflexões importantes sobre diversos aspectos que muitos têm medo (veja só) de abordar.
"Definitivamente, ainda há trabalho a ser feito, mas vimos um crescimento expressivo de filmes de terror que abordam questões relacionadas a raça e etnia. Observamos uma mudança positiva na forma como as mulheres são retratadas nos filmes de terror. Vimos filmes que abordam as dificuldades socioeconômicas, questões de identidade sexual ou de gênero. Também ficou claro que o público anseia por diferentes pontos de vista nos filmes de terror. Todas essas são mudanças positivas para o gênero", sustenta o professor assistente do Programa de Estudos de Comunicação da The College of New Jersey (TCNJ), Matthew Lawrence, nesta matéria.
Michelle Martinez destaca que mulheres no terror trazem perspectivas diferentes e acabam oferecendo novas abordagens para alguns dos temas clássicos do gênero. "Veja o arquétipo da 'garota final', por exemplo — a última personagem feminina viva que confronta o assassino e, muitas vezes, escapa ou o derrota. Em O Massacre da Serra Elétrica (1974), Sally Hardesty escapa de Leatherface e sua motosserra ensanguentada. A personagem de Sigourney Weaver em Alien (1979) é durona, capaz e a única sobrevivente, e Jennifer's Body vai além, subvertendo a ideia de que a sexualidade feminina é consumível e fazendo com que os homens sejam (literalmente) consumidos. Historicamente, as mulheres em filmes de terror eram exploradas, mas houve uma mudança em que elas começaram a assumir papéis mais empoderados na vida real. Elas queriam o mesmo nas histórias", aponta.
"Essas produções demonstram que o cinema de terror continua a se adaptar, refletindo as ansiedades contemporâneas e oferecendo novas perspectivas ao público", pondera Lara López Millán. "O que permanece constante é nossa necessidade de assistir, talvez porque o consideremos um laboratório emocional. Ele nos permite ensaiar o medo sem consequências, vivenciá-lo com segurança e de forma controlada. Quando as luzes se apagam, podemos confrontar o que mais nos perturba — a morte, o caos, a desintegração familiar, o fim do mundo — e sair ilesos."