O ponto de partida é conhecido em toda parte do mundo: com a modernização dos meios de produção e o avanço das tecnologias, ofertas de emprego são reduzidas e funcionários até então essenciais se tornam dispensáveis. O que fazer quando todo o conhecimento de uma vida parece ter se tornado ultrapassado? Quando você descobre que a empresa que você cresceu era só um emprego, e não sua “família” ou a definição precisa de quem você é?
Destaque na programação da 49ª Mostra Internacional de Cinema, “No Other Choice” é dirigido por Park Chan-wook, um dos nomes mais fortes do cinema sul-coreano, conhecido pela sua trilogia da vingança, que inclui o cultuado “Oldboy”, e o suspense erótico “A Criada”. O longa-metragem é uma adaptação do livro "O Corte”, de Donald E. Westlake, e deve chegar ao Brasil no streaming MUBI, ainda sem previsão de lançamento.
Vencedor do prêmio do público no Festival de Toronto e exibido no Festival de Veneza, o filme enfoca Man-su, especialista em fabricação de papel. Após 25 anos dedicado à indústria, ele é demitido da noite para o dia, provocando uma verdadeira implosão no seu estilo de vida. Quando uma oportunidade de um novo emprego finalmente surge, ele decide fazer de tudo para conseguí-la - até sujar as mãos.
Quem está familiarizado com a filmografia de Chan-wook sabe que um drama sofrido de um homem em busca de emprego, nas mãos do diretor, não seria um rio de lamentações. Se algo jorrar, que seja sangue: e aí reside a originalidade do filme. Ainda mais na cultura tradicional sul-coreana, a ideia de não poder prover para a família leva Man-su ao desespero - e se o capitalismo selvagem manda eliminar a concorrência, o homem irá dar cabo à estratégia mais absurda para conseguir uma oportunidade de trabalho. Ele segue o exemplo do pai, que lutou na guerra do Vietnã e guardou a pistola, pois, afinal, se não tivesse dado o tiro, ele o teria tomado.
“No Other Choice”, ao elevar o desespero do seu personagem à máxima hipérbole, faz rir ao colocá-lo em situações tão absurdas quanto a sua premissa, como ter que explicar à sua esposa porque levou uma picada de cobra em uma entrevista de emprego. O amadorismo do personagem, especialista em fabricação de papel e não em assassinatos, garante as risadas, enquanto o seu desespero leva o público a refletir. Afinal, quais outras escolhas o protagonista teria quando se viu descartado pelo sistema a quem sempre serviu com dedicação? Como diz o título, teria ele mesmo, “nenhuma outra escolha”, a não ser a violência?