CLUBE DA ESQUINA

Os “meninos da capa” não conheciam Clube da Esquina, Lô Borges e Milton Nascimento

Encontrados 40 anos depois, eles não tinham a menor ideia de que estavam na capa do famoso álbum; ato contínuo, eles entraram com processo

A capa do álbum Clube da Esquina.Créditos: Foto Cafi/Capa/Divulgação
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A história dos rostos que ilustram a icônica capa do álbum Clube da Esquina (1972) — um dos marcos da música brasileira — atravessa mais de cinco décadas e mistura acaso, redescoberta e disputa judicial.

Tudo começou em 1971, quando o fotógrafo Cafi e o letrista Ronaldo Bastos viajavam rumo à fazenda da família do compositor, na região serrana do Rio de Janeiro. Durante o trajeto, pararam em uma estrada de terra, onde encontraram dois garotos brincando perto de um campo de futebol. Um deles, descalço e com um pedaço de pão na mão, sorriu para a câmera. O clique, espontâneo, se tornaria uma das imagens mais emblemáticas da MPB.

O disco Clube da Esquina, lançado no ano seguinte, em 1972, trazia na capa a foto desses meninos desconhecidos, que durante décadas foram confundidos com Lô Borges e Milton Nascimento, os principais nomes do movimento.

Os meninos descobertos

Foi só 40 anos depois, em 2012, que a identidade dos garotos foi revelada. Em uma reportagem comemorativa dos 40 anos do Clube da Esquina, jornalistas do Estado de Minas decidiram investigar quem eram os “meninos da capa”. Após percorrerem a região serrana do Rio e conversarem com mais de 50 moradores, encontraram uma mulher que reconheceu os dois.

Eles eram José Antônio Rimes, o Tonho, e Antônio Carlos Rosa de Oliveira, o Cacau.

Tonho, à época repositor em um supermercado local, contou que mal lembrava do momento do registro. “Alguém dentro do carro me gritou e eu sorri. Estava comendo um pedaço de pão que alguém tinha me dado porque eu estava morrendo de fome, e, para variar, descalço. Até hoje não gosto de usar sapato”, relembrou. Ele também disse que nunca soube estar na capa de um disco e que sua mãe ficaria emocionada, já que a família não tinha fotos de infância.

Cacau, que trabalhava como jardineiro e pintor, contou que só desconfiou de sua presença na foto anos depois, ao ver a capa em uma loja de discos em Macaé (RJ). “Coloquei a mão sobre a foto e fiquei reparando aquele olhar. Achei que era eu mesmo e acabei comprando o CD, porque não tinha mais LP na época”, recordou.

Processo na Justiça

Pouco depois da reportagem, ainda em dezembro de 2012, Tonho e Cacau decidiram ingressar na Justiça. O processo pedia R$ 500 mil de indenização por danos morais e uso indevido de imagem, tendo como réus Milton Nascimento, Lô Borges, Ronaldo Bastos, a gravadora EMI (hoje parte da Universal Music) e a editora Abril.

O caso se arrastou por anos até que, em 24 de outubro de 2024, o juiz Marcus Vinicius Miranda Gonçalves da Silva de Mattos, da 1ª Vara Cível de Nova Friburgo (RJ), decidiu que o processo estava prescrito.

Na sentença, o magistrado afirmou que houve, à época do lançamento, “notória divulgação universal da obra artística”, o que, segundo a Justiça, encerra o prazo para qualquer questionamento judicial. Além de negar a indenização, a decisão determinou que os autores da ação arcassem com as despesas de honorários advocatícios.

A defesa de Tonho e Cacau, conduzida por José Carlos Alves, anunciou que vai recorrer. Segundo o advogado, não houve prescrição, pois a imagem “continua sendo utilizada sem autorização em diversas plataformas, inclusive em serviços de streaming”.

“O prazo prescricional se reinicia a cada nova publicação ou reedição. A violação ocorre toda vez que a capa é exposta sem consentimento”, argumenta a defesa.

A existência do processo só se tornou pública em 2020, quando foi revelada pela Folha de S.Paulo. Hoje, mais de 50 anos após o registro da foto, a imagem dos dois meninos — Tonho e Cacau — permanece como símbolo de uma geração e de um movimento que transformou a música brasileira.

Mas, para os garotos da serra fluminense, agora homens maduros, o retrato espontâneo tirado em 1971 ainda ecoa — entre lembranças, reconhecimento tardio e a busca por reparação.

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