ANNA MUYLAERT

Anna Muylaert abre debate de gênero sobre Geni, de Chico Buarque

Diretora foi acusada de praticar "transfake" pela comunidade trans após anunciar Thainá Duarte, que é uma mulher cis, para o papel

A diretora Anna Muylaert.Créditos: Reprodução de vídeo
Escrito en CULTURA el

A consagrada diretora Anna Muylaert anunciou na última terça-feira (15), a atriz Thainá Duarte para o papel de “Geni e o Zepelim”, seu próximo filme, inspirado tanto na canção de Chico Buarque quanto no conto 'Bola de Sebo' (1880), de Guy de Maupassant.

O nome de Thainá, uma atriz cisgênero, explodiu como uma bomba na comunidade trans, que considerou a escolha como "transfake", termo usado para descrever a prática de artistas cisgêneros interpretando personagens trans.

Em meio à polêmica, Muylaert postou um vídeo em suas redes sociais abrindo o debate e se colocando à disposição para discutir a fundo a questão.

"No processo de criação do filme, entendemos que a letra do Chico e o conto de Guy de Maupassant, 'Bola de Sebo' (1880), no qual Chico diz ter se inspirado, poderia ter várias leituras", adverte a diretora.

Lugar de fala

"Poderia ser uma mulher trans, uma mãe solteira, uma carroceira da favela do Moinho, uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade, poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas", disse. "Por uma questão de lugar de fala, escolhemos fazer uma prostituta cis na Amazônia."

Ela ainda rebate acusações de que estaria fazendo "transfake": "Não é transfake, a ideia era fazer uma personagem cis mesmo", declara.

"Diante da reação da comunidade trans, eu quero vir aqui abrir o debate e jogar a pergunta: essa letra do Chico, o mito Geni hoje em 2025 só pode ser interpretada como uma mulher trans?", pergunta Muylaert. "Se toda a sociedade, não apenas a comunidade trans, mas todos os fãs da música, se a gente computar que realmente só podemos interpretar a Geni como trans, a gente vai repensar o filme", encerra.

Em seguida, ela propõe um debate entre a comunidade trans e os fãs de Chico e diz que pode repensar o filme.

Veja o vídeo abaixo:

A personagem

A canção "Geni e o Zepelim" integra a "Ópera do Malandro", musical escrito por Chico Buarque em 1978. Nela, Geni é uma prostituta trans. Já no conto de Maupassant, Bola de Sebo, personagem que Chico se inspirou, é uma prostituta cis francesa que viaja em um trem durante a ocupação prussiana em 1870. 

Há ainda o filme “Bola de Sebo”, de Mikhail Romm, realizado em 1934. Nele, o personagem principal é também uma prostituta cis francesa que se entrega a um oficial alemão para salva sua comunidade.

A comunidade trans

A atriz e diretora trans Renata Carvalho foi a primeira a se manifestar sobre a escolha de Thainá Duarte para o papel:

"Triste em saber que no novo filme 'Geni e o Zepelim', da Anna Muylaert, escalaram uma atriz cisgênero para interpretar a personagem travesti Geni, uma das personagens trans mais emblemáticas do teatro e da música brasileira", afirmou.

"Precisamos continuar atentos e vigilantes com a prática do transfake nas produções artísticas ainda em 2025. Mesmo que a equipe esteja cheia de artistas 'progressistas' a transfobia velada e estrutural está presente. Enquanto as verdadeiras Genis continuam sendo apedrejadas nas ruas, mortas, algumas viram objeto de desejo para artistas cisgêneros representar", encerrou.

Galba Gogóia, também atriz e diretora trans, por sua vez, disse:

"Sim, essa história só poderia ser contada por uma personagem e atriz trans. Imagina uma obra tão transgressora, criada há 50 anos, na ditadura militar, ser 'atualizada' dessa forma? Geni é uma personagem icônica da dramaturgia brasileira, criada como travesti."

A atriz Camila Pitanga respondeu ao vídeo de Muylaert: " Você pode fazer o filme que quiser, com certeza… mas pondero que esta interpretação serve sim ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo entende? É uma escolha que fere. Ah eu amo como filha a Thainá e amo acompanhar o seu trabalho e voz. Bom debate. Obs: cuidado com o argumento de liberdade de expressão, de interpretação… tem um campo inimigo que usa a beça esse léxico.”

Já a cantora trans Liniker alertou que só o fato de Muylaert abrir a discussão já as "expõe grandemente". "O Brasil não é um país acolhedor dos nossos corpos e trajetórias, principalmente se tratando de protagonismo numa grande produção audiovisual. Temos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica e já retratada como pessoa trans em tantas montagens", afirmou.

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