Em dezembro de 2015, o jornalista canadense Marcus Gee, do The Globe and Mail – um dos jornais mais influentes e respeitados do Canadá, com sede em Toronto, Ontário – escreveu uma carta de alerta ao povo dos Estados Unidos, comparando o então candidato Donald Trump ao polêmico ex-prefeito de Toronto, Rob Ford. Ele destacou que, assim como Ford, Trump deveria ser levado a sério, apesar de, à primeira vista, ser considerado por muitos uma figura efêmera e sem chances reais de vitória.
“Permitam que seus primos do norte ofereçam um conselho amigável. Talvez vocês estejam tentados a descartar Donald Trump como uma faísca passageira, um sujeito irritante que não tem chance de ser eleito e que apela apenas para uma pequena parte da população. Não se enganem”, alertou.
O povo dos EUA não levou o conselho do jornalista canadense em consideração. Donald Trump foi eleito presidente nas eleições de 2016. Ele venceu a candidata democrata Hillary Clinton, apesar de perder no voto popular, conquistando a presidência por meio do Colégio Eleitoral. Ele assumiu o cargo em 20 de janeiro de 2017.
Rob Ford, de extrema direita e conhecido por suas declarações chocantes e comportamentos controversos, ascendeu ao poder como prefeito de Toronto em 2010, após uma campanha populista marcada por promessas simplistas e sua postura de "homem comum". Sua trajetória foi repleta de escândalos, incluindo embriaguez pública, fumar crack com traficantes de armas e mentir sobre suas ações. Contudo, Ford manteve um apoio fervoroso, e até mesmo o escândalo envolvendo crack não diminuiu a lealdade de seus seguidores.
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A história de Ford é o tema do documentário da Netflix, Desastre Total: Prefeito do Caos (Trainwreck: Mayor of Mayhem, do original em inglês), lançado nesta terça-feira (17). O filme de 49 minutos revisita a carreira tumultuada do prefeito canadense e a polêmica gestão que transformou Toronto, a maior cidade do país e a quarta maior da América do Norte, em palco para uma série de escândalos públicos.
O filme traz depoimentos de jornalistas, assessores e políticos que lidaram com o prefeito populista de direita, que ficou conhecido por atacar as elites e desafiar os padrões políticos estabelecidos. Ford foi uma figura controversa, e suas falhas públicas, como o vídeo fumando crack, tornaram-se parte de seu legado.
A ascensão e queda de Ford refletem as características de uma política de polarização e rejeição ao status quo, que mais tarde seriam adotadas por figuras como Trump. Ambos, Ford e Trump, se aproveitaram da frustração popular com os políticos tradicionais, apelando para a insatisfação do eleitorado com a política convencional.
Ford não apenas enfrentou escândalos, mas também foi alvo de ataques da mídia, que, como Trump, ele desafiou e demonizou publicamente. O documentário apresenta como a mídia foi demonizada por Ford, muito antes de Trump seguir o mesmo caminho com seus ataques à imprensa, mostrando o impacto que isso teve em sua popularidade.
Apesar das falhas e das ações questionáveis de Ford, como seu comportamento errático e suas promessas irreais, ele manteve um apoio considerável até o fim de sua carreira política. O documentário destaca como ele conseguiu se manter relevante, mesmo após ser flagrado em escândalos, e como sua estratégia populista ressoou com os eleitores que se sentiam desiludidos com a política tradicional.
O legado de Ford, como o de Trump, oferece lições sobre o poder do populismo em tempos de crise política e social. Ambos souberam usar as frustrações do eleitorado para criar uma base de apoio sólida, mesmo com comportamentos e decisões controversas.
Ford morreu em 2016, vítima de câncer, mas seu impacto na política canadense, e suas semelhanças com o fenômeno Trump, continuam a ser discutidos. O documentário da Netflix não só resgata a história de Ford, mas também fornece uma reflexão sobre as mudanças que a política populista trouxe para o cenário político global.
O documentário encerra com uma reflexão de seu ex-Chefe de Gabinete, Mark Towhey: “Todos nós temos um Rob em algum momento de nossas vidas. E no longo prazo, a história o verá como um homem que, apesar de tudo, fez coisas que nunca haviam sido feitas antes”.
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