A TRAGÉDIA HUMANA

Dostoiévski: Conheça o único romance do autor russo inspirado em fatos reais

Considerado um dos maiores escritores do mundo, Dostoiévski foi uma grande influência para Freud e Nietzsche

Dostoiévski: Conheça o único romance do autor russo inspirado em fatos reais.Créditos: Wikimedia Foundation
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Fiódor Dostoiévski (1821-1891) é considerado um dos maiores escritores da literatura mundial. Sua obra é famosa não apenas pela profundidade psicológica dos personagens, mas também pela maneira única de abordar temas complexos, como a moralidade, a liberdade, o sofrimento e a alienação. Conhecido por explorar a psique humana, Dostoiévski usou o que ficaria conhecido como fluxo de consciência, uma técnica que se tornou fundamental na literatura moderna.

A Influência Literária de Dostoiévski

A escrita de Dostoiévski teve grande impacto no mundo literário e filosófico, influenciando desde Virginia Woolf até Sigmund Freud e Friedrich Nietzsche.

Dostoiévski e o Fluxo de Consciência

Dostoiévski foi pioneiro no uso do fluxo de consciência para explorar os pensamentos e sentimentos internos dos personagens. Essa técnica permitiu que ele mergulhasse profundamente na psique humana, dando aos leitores uma visão mais íntima da mente de seus personagens. A escritora Virginia Woolf, por exemplo, levou essa técnica à sua máxima expressão em obras como "Mrs. Dalloway", "Ao Farol" e "As Ondas", marcando uma evolução significativa na literatura modernista.

Dostoiévski e Freud: A Subjetividade Humana

Além da literatura, Dostoiévski teve uma enorme influência sobre Sigmund Freud. O psicanalista considerava Dostoiévski um pioneiro ao explorar a subjetividade humana, principalmente através de seus personagens complexos e suas lutas internas. Freud acreditava que Dostoiévski era capaz de entender profundamente a psique humana, o que fez com que ele fosse uma referência para a psicanálise.

Dostoiévski e Nietzsche: O Impacto Filosófico

A obra de Dostoiévski também impactou o filósofo Friedrich Nietzsche, que declarou ter escrito "O Anticristo" após ler "O Idiota". Em O Idiota, Dostoiévski apresenta o personagem Príncipe Míchkin, cujas atitudes, semelhantes às de Jesus Cristo, geram um confronto com a sociedade russa. Nietzsche, ao ler o livro, foi profundamente influenciado por esse retrato da bondade e da moralidade cristã, o que se refletiu em sua crítica radical à religião.


A Prisão de Dostoiévski e Seu Exílio na Sibéria

Em 1849, Dostoiévski foi preso por participar de reuniões subversivas do Círculo Petrashevsky, que defendia reformas políticas e sociais no regime czarista. Após ser condenado à morte, sua pena foi comutada para trabalho forçado na Sibéria, onde permaneceu até 1854. Esse período resultou em sua obra "Recordações da Casa dos Mortos" (1861), um livro semi-autobiográfico que descreve a vida nas prisões siberianas e reflete sobre o sofrimento humano e a dignidade.

A Primeira Fase da Obra de Dostoiévski: Dramédias e Crítica Social

As primeiras obras de Dostoiévski, como "Pobre Gente" (1846) e "O Duplo" (1846), podem ser classificadas como dramédias com forte crítica social. Nessas obras, o autor ainda se via influenciado por uma visão mais romântica e crítica da sociedade, mas já começava a explorar as complexidades psicológicas de seus personagens.

A Segunda Fase da Obra de Dostoiévski: Pessimismo e Fé

Após a Sibéria, a obra de Dostoiévski passa a ser marcada por um profundo pessimismo e uma relação paradoxal com a fé. Durante essa fase, ele explora temas como a redenção e o sofrimento humano, frequentemente abordando o papel de Deus e da religião em um mundo em crise. Em "Os Irmãos Karamazov", ele declara uma das frases mais célebres: "Na ausência de Deus, tudo é permitido".

Principais Obras da Segunda Fase:

 

  • "Crime e Castigo" (1866)
  • "O Idiota" (1869)
  • "Os Demônios" (1872)
  • "Os Irmãos Karamazov" (1880)


A Influência de "Os Demônios"

Uma das obras mais emblemáticas da segunda fase de Dostoiévski é "Os Demônios" . O livro, escrito em 1872, se destaca pela sua crítica ao radicalismo e ao movimento revolucionário da época. Dostoiévski explora como as ideologias extremas podem levar à destruição e ao sofrimento, retratando os personagens revolucionários como moralmente corrompidos e manipulados pela tirania.

O Caso Real que Inspirou "Os Demônios" de Dostoiévski 


A obra "Os Demônios", de Fiódor Dostoiévski mergulha no caos ideológico e psicológico da Rússia do século XIX, retratando o radicalismo e o niilismo que ganhavam força na sociedade da época. Embora a obra seja marcada por elementos ficcionais, ela foi inspirada por um episódio real que chocou a sociedade russa e provocou uma reflexão crítica sobre as ideologias extremas: o assassinato de Petrashevsky e a ascensão dos grupos revolucionários radicais.

Contexto Histórico e Social da Rússia no Século XIX


Durante a primeira metade do século XIX, a Rússia estava em processo de transformação social, política e econômica. A sociedade era dividida entre a nobreza, os camponeses e uma classe média urbana crescente. O regime czarista, altamente opressor, levou muitos intelectuais russos a questionarem a ordem estabelecida. O movimento niilista, que pregava a negação das instituições tradicionais, da moralidade religiosa e da autoridade do Estado, ganhou força, especialmente entre os jovens da elite intelectual.

Esse movimento também se radicalizou, com parte de seus seguidores defendendo o uso da violência como meio legítimo para promover mudanças sociais profundas. O Círculo Petrashevsky, um grupo de intelectuais revolucionários, estava no centro dessa ideologia. Influenciados por pensadores como Pierre-Joseph Proudhon e Charles Fourier, os membros do círculo buscavam transformar a sociedade russa por meio de uma revolução imediata, e não por reformas graduais.

O Caso de Dmitri Karakozov


A história real que mais diretamente inspirou Os Demônios foi o assassinato de Petrashevsky, um jovem radical, em 1866. Este evento esteve relacionado a uma tentativa de assassinato do czar Alexandre II, realizada por um grupo de jovens revolucionários. No entanto, o episódio que mais chamou a atenção de Dostoiévski foi a tentativa de assassinato de Alexandre II feita por Dmitri Karakozov.

Karakozov, um estudante de 27 anos, opunha-se ao czarismo e ao sistema social da Rússia. Ele tentou matar o czar, mas a tentativa falhou e Karakozov foi preso e executado. Embora o atentado não tenha tido êxito, ele simbolizou o radicalismo crescente na Rússia e representou as ideologias extremistas que Dostoiévski via como destrutivas. Muitos revolucionários da época, como Karakozov, acreditavam que a violência era uma forma legítima de derrubar o regime czarista e transformar a sociedade.

A Ascensão do Radicalismo e a Influência de Petrashevsky


Dostoiévski também foi influenciado pelo Círculo Petrashevsky, grupo ao qual ele pertencia e que defendia a abolição do czarismo e a implementação de uma revolução socialista. Em 1849, Dostoiévski foi preso por suas associações com o grupo, sendo acusado de conspirar contra o czar. Embora não tivesse envolvimento em atividades violentas, ele foi condenado à morte, mas sua sentença foi comutada para trabalhos forçados na Sibéria, experiência que mais tarde inspiraria sua obra "Recordações da Casa dos Mortos".

A figura central de "Os Demônios" que reflete a essência desse radicalismo destrutivo é Pyotr Verkhovensky. Ele lidera um grupo de jovens revolucionários que planejam subverter a ordem social por meio de assassinatos e terrorismo. Dostoiévski usa Verkhovensky para explorar as consequências de um radicalismo cego e destrutivo, que ignora qualquer ideal de justiça e humanidade.

A Crítica ao niilismo e ao Radicalismo Político


Dostoiévski via o niilismo como uma ameaça à moralidade e à dignidade humana. O movimento não apenas rejeitava a moralidade tradicional, mas também acreditava que a violência era uma ferramenta legítima para alcançar objetivos políticos. "Os Demônios" expõe como as ideologias radicais podem desumanizar os indivíduos, transformando-os em instrumentos de uma revolução que, em última instância, leva à destruição e ao caos.

O romance apresenta os personagens revolucionários como vítimas de suas próprias ideologias, que acabam resultando em alienação e morte. Dostoiévski critica ferozmente o uso da ideologia para justificar a violência, questionando a moralidade de um movimento que coloca os fins acima dos meios.

O Legado do Caso Real em Os Demônios


O episódio real que inspirou Os Demônios reflete o clima tenso da Rússia pré-revolucionária, onde ideais radicais ameaçavam a estabilidade do sistema czarista. A tentativa de assassinato de Karakozov e as atividades do Círculo Petrashevsky simbolizam uma sociedade à beira de uma grande transformação, mas também o perigo de ideologias extremistas que buscavam mudar o mundo por meio da violência. Dostoiévski usou esses eventos como base para criar um estudo psicológico profundo das consequências do radicalismo e da manipulação ideológica.

O Impacto de Os Demônios na Literatura e Filosofia


A obra não apenas aborda as tensões políticas da época, mas também se tornou um dos maiores estudos sobre a psicologia humana e o impacto das ideologias extremas. O legado de "Os Demônios" vai além da literatura russa, influenciando filósofos como Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Nietzsche, que exploraram questões semelhantes sobre liberdade, alienação e responsabilidade.

Em resumo, "Os Demônios" de Dostoiévski não é apenas uma crítica ao radicalismo e ao niilismo, mas também uma profunda reflexão sobre a natureza humana e o impacto das ideologias que buscam transformar a sociedade por meio da violência. A obra permanece um marco na literatura mundial, questionando as fronteiras entre o bem e o mal, a moralidade e o poder.

A Relação de Lenin com Os Demônios

A relação de Vladimir Lenin, o líder da revolução russa, com "Os Demônios" foi complexa e contraditória. Lenin apreciava a crítica de Dostoiévski às tensões sociais da época, mas odiava a maneira como o autor retratava os revolucionários, considerando-a uma distorção da verdadeira natureza da luta revolucionária. Para Lenin, a revolução era a única maneira de alcançar um futuro melhor, enquanto Dostoiévski via os movimentos radicais como destrutivos e moralmente corruptos.

Proibição de Dostoiévski na União Soviética

Durante o regime de Joseph Stalin, as obras de Dostoiévski foram proibidas e censuradas. Ele foi considerado um "escritor burguês" e "reacionário", incompatível com a ideologia soviética. As obras de Dostoiévski só foram publicadas novamente após a desestalinização nos anos 1950, quando sua obra foi reavaliada e a censura foi aliviada.

 

 

 
 

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