Autor, diretor e ator, Gianfrancesco Guarnieri tem seu acervo doado à USP

A rica e extensa obra do artista italiano, que viveu no Brasil desde criança, sempre deu espaço aos movimentos populares e aos “desamparados sociais”

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[caption id="attachment_145819" align="alignnone" width="700"] Foto: Reprodução[/caption] Por RBA Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi de Guarnieri. O nome imponente é do italiano nascido em Milão, em 1934, e que aos 2 anos de idade veio para o Brasil com a família, fugindo do fascismo. Eternizado pela história como Gianfrancesco Guarnieri, o ator, autor e diretor, morto em 2006, foi um dos mais importantes artistas brasileiros. Seu rico acervo, com livros, documentos, manuscritos, fotografias e objetos acaba de ser doado ao Centro de Documentação Teatral (CDT), da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Como autor, ele escreveu obras como “Eles Não Usam Black-Tie”, “Gimba”, “Arena conta Zumbi” (em parceria com Augusto Boal e Edu Lobo), “Arena conta Tiradentes” (com Boal), “Um Grito Parado no Ar” e “Ponto de Partida”, entre outras. Fórum precisa ter um jornalista em Brasília em 2019. Será que você pode nos ajudar nisso? Clique aqui e saiba mais Talvez a mais conhecida, “Black-Tie” é de 1956. Com direção de José Renato e produção do Teatro de Arena, a peça foi encenada dois anos depois. Guarnieri participou da primeira montagem, no papel de um fura-greve. Em 1981, a obra ganhou versão cinematográfica, com direção de Leon Hirszman, cuja história era ambientada nas greves dos metalúrgicos da época. O próprio Guarnieri, que contracenava com Fernanda Montenegro, era um dos líderes do movimento. O fura-greve era seu filho, interpretado por Carlos Alberto Riccelli, que fazia par com Bete Mendes. Guarnieri, que atuou também em várias novelas, era um atento observador da realidade social e transmitia isso em suas obras. “Mas não um observador neutro, que diz apenas: eu vou observar e ponto. Não, eu tinha um conhecimento, aquilo era a minha vida. Eu ia fuçar mesmo, para ver como eram as coisas, como eram os movimentos estudantis, dos trabalhadores, dos camponeses”, declarou, em depoimento para o livro “Um Grito Solto no Ar”, escrito pelo jornalista e dramaturgo Sérgio Roveri e lançado em 2004 (Imprensa Oficial). Na introdução da obra, Roveri conta que Guarnieri “deixou esquecidos os nomes do meio nos documentos, e lançou mão apenas do primeiro e do último para, ainda adolescente, se aproximar e se tornar em pouco tempo o inconfundível porta-voz de uma gigantesca parcela da sociedade que sempre viveu a quilômetros de qualquer título de nobreza: os pobres, os favelados, os operários, os sedutores malandros do morro, os comunistas, os perseguidos pelos regimes políticos sangrentos, as prostitutas, os grevistas e mais uma infinidade de desamparados sociais a quem ele reservou um abrigo acolhedor que, mesmo sujeito  intempéries econômicas, políticas e sociais, nunca teve telhado de vidro: o palco”. Segundo o Jornal da USP, a decisão de doar o acervo foi tomada pela família após a morte, no ano passado, de sua segunda mulher, a socióloga Vanya Sant'Anna, com quem ele teve três filhos: Cláudio (Cacau), Mariana e Fernando Henrique. Guarnieri também foi casado com a jornalista Cecilia Thompson, união que resultou em mais dois filhos, Paulo e Flávio, que morreu em 2016. O primeiro contato para a doação foi feito com o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), que indicou o CDT. “Diferente do IEB, que pensa em arquivos pessoais de intelectuais, o Centro de Documentação Teatral reúne acervos pessoais e institucionais especialmente sobre teatro, incluindo todos os tipos de documentos e objetos”, diz a professora Elizabeth Azevedo, que coordena o centro e é professora do Departamento de Artes Cênicas da ECA. A peça “O Filho do Cão”, de Guarnieri, estreou em fevereiro de 1964, tendo o Nordeste como cenário. Tratava, segundo o autor, de medos, mitos e miséria, entre outros temas. Era, como observou, “um prato cheio para cair em desgraça” depois do golpe. No depoimento para o livro, ele conta que na noite de 31 de março a peça foi apresentada normalmente, seguida de um debate com estudantes de Medicina, na sede da USP, na Rua Maria Antônia, região central da cidade. “Eles tinham estranhado muito o tema da peça, parece que não gostaram do retrato que eu fiz dos camponeses, tão supersticiosos e temerosos à autoridade e às figuras institucionais”, comentou. O autor tentava explicar quando alguém chegou avisando sobre o golpe. “Eu e os estudantes saímos correndo do teatro e fomos para a frente da sede do jornal Última Hora, na Av. Prestes Maia”, lembrou Guarnieri, que era colaborador do UH. Todos queriam saber a posição do governador Adhemar de Barros e do comandante do 2º Exército, Amauri Kruel. “No fundo, nós esperávamos que eles oferecessem alguma resistência, mas que nada. Não houve resistência. Ou melhor, quem resistiu ou caiu ou foi cassado”. No dia seguinte, eles mesmos resolveram fechar o Teatro de Arena, que seria reaberto tempos depois. Ainda em 1964, o grupo encenava “Tartufo”, de Molière, com direção de Augusto Boal. “Eu não queria provar nada com as minhas peças. Eu era apenas um resistente. Eu só tentava resistir, do meu jeito”. José Renato, o criador do Arena, descreveu Guarnieri como “o baixinho que abriu novos caminhos para o teatro”. Agora que você chegou ao final deste texto e viu a importância da Fórum, que tal apoiar a criação da sucursal de Brasília? Clique aqui e saiba mais

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