Começa na Baixada Santista a quinta edição do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas

Ao todo, são 41 produções de teatro, dança, instalações, intervenções, performances, sendo 16 trabalhos nacionais e 25 internacionais

Cena de Labio de Liebre_Foto Juan Antoio Monsalve/Divulgação
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De 5 a 15 de setembro, a unidade do Sesc em Santos, e também teatros, espaços públicos e edifícios históricos dos nove municípios que integram a Baixada Santista serão ocupados pela quinta edição do MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, em uma iniciativa do Sesc São Paulo. A curadoria desse festival bienal, que tem como prerrogativa revelar o vigor da recentíssima produção latino-americana, portuguesa e espanhola, elegeu, para a edição de 2018, companhias de treze países de língua portuguesa e espanhola. Ao todo, são 41 produções de teatro, dança, instalações, intervenções, performances, sendo 16 trabalhos nacionais e 25 internacionais. Além do Brasil, que participa com atrações de sete estados – Bahia (Salvador), Minas Gerais (Belo Horizonte e Barbacena), Paraná (Curitiba), Rio Grande do Norte (Natal), Rio Grande do Sul (Porto Alegre e Canoas), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro) e São Paulo (São Paulo) –, integram a programação obras vindas da Colômbia – país homenageado, com nove atrações inéditas no país, sendo seis peças teatrais e três espetáculos de dança, além de uma instalação –, Argentina,  Bolívia, Chile, Equador, Espanha, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai. Pela primeira vez, o festival é realizado nas nove cidades da Baixada Santista: Bertioga (Parque dos Tupiniquins), Cubatão (Parque Anilinas), Guarujá (Praça dos Expedicionários e Museu Histórico Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande), Itanhaém (Praça Narciso de Andrade), Mongaguá (Praça Doutor Fernando Arens), Peruíbe (Praça Matriz São João Batista), Praia Grande (Calçadão da Av. Castelo Branco), São Vicente (Praça Tom Jobim) e Santos (Arcos do Valongo, Cadeia Velha, Casa Rosada [SABESP], C.A.I.S. Vila Mathias, Doca Valongo, Parque Roberto Mário Santini (Emissário), Praça Mauá, Sesc Santos, Teatro Armênio Mendes – Centro Cultural Português, Teatro Brás Cubas, Teatro Coliseu e Teatro Guarany). Para Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, “Em um mundo sacudido por frequentes crises socioeconômicas e humanitárias, uma forma do Sesc manifestar sua corresponsabilidade passa pela manutenção de uma agenda de festivais e eventos diversos dedicados ao encontro, ao intercâmbio, à reflexão e ao debate coletivo. Miranda complementa: “Reverberando pautas urgentes e necessárias por meio de temáticas relacionadas aos princípios democráticos e às liberdades criativas, o MIRADA pretende fortalecer nosso compromisso com a rica diversidade ibero-americana ao conectar e envolver diferentes pontos desse corredor sociocultural. Trata-se de fortalecer o papel das artes como vetor de celebração, mudança e resistência. ” Homenagem à Produção Colombiana Na abertura, no dia 5 de setembro, às 20 horas, o Sesc Santos apresenta a peça Labio de Liebre, do Teatro Petra, que marcou o aniversário de 30 anos da consagrada companhia colombiana, em 2015. A recente encenação do grupo, Cuando Estallan las Paredes, também está na programação. Reconhecida internacionalmente por sua criteriosa pesquisa cênica, a companhia La Maldita Vanidad comparece com o díptico Dramas Neo-costumbristas de Carácter Fatal, composto pelas montagens Nos Hemos Olvidado de Todo (Drama 1), inédita em palcos nacionais, e Promesa de Fin de Año (Drama 2) – que faz sua estreia mundial no festival e é construído a partir de um tema atual: a transexualidade. Uma das montagens mais significativas desta edição é La Despedida, do Mapa Teatro, que com uma refinada linguagem propõe a reflexão política e encerra o longo estudo feito pelo grupo sobre a violência na Colômbia. Entre os espetáculos colombianos de dança, o destaque é o La Ciudad de Los Otros, do grupo Sankofa, que reúne 20 bailarinos para discutir, de maneira contundente, a presença do negro nas artes. A Presença Feminina Encenadoras experientes, como a peruana Chela De Ferrari, as brasileiras Bia Lessa e Regina Bertola, as mexicanas Conchi León e Lucero Millán (radicada na Nicarágua) são alguns dos exemplos da presença, cada vez mais expressiva, de diretoras e escritoras de diferentes gerações na cena teatral latino-americana. No MIRADA, elas figuram ao lado de artistas mais jovens, como é o caso das chilenas Lauréne Lemaitre, Manuela Infante e Marcela Salinas, a peruana Claudia Tangoa, a uruguaia Jimena Márquez, a portuguesa Joana Craveiro, a potiguar Quitéria Kelly e as mineiras Grace Passô e Sara Pinheiro. Estreias Além da estreia mundial da colombiana Dramas Neo-Costumbristas de Carácter Fatal: Promesa de Fín de Año (Drama 2), duas produções brasileiras serão encenadas pela primeira vez:  Eu Estava em minha Casa e Esperava que a Chuva Chegasse, trabalho do CPT - Centro de Pesquisa Teatral do Sesc São Paulo, dirigido por Antunes Filho e baseado no texto do dramaturgo francês Jean-Luc Lagarce, e Corpos Opacos, criação da colombiana Carolina Virgüez (Aquela Cia. de Teatro) - vencedora do prêmio Shell por Caranguejo Overdrive, que esteve no Mirada em 2016 - em parceria com a brasileira Sara Antunes. Inéditas no Brasil A primeira participação da Nicarágua no festival se dará com o drama urbano La Ciudad Vacía, que tem como pano de fundo Manágua, no contexto da Revolução Sandinista. Chela De Ferrari adaptou a célebre comédia de Shakespeare, Mucho Ruído por Nada (Much Ado About Nothing). A partir de uma leitura peculiar do texto original, a diretora peruana traz à cena temas sociais contemporâneos. Entre as peças nunca apresentadas por aqui, estão ainda Nimby (Nosotros Somos Los Buenos), do Colectivo Zoológico e Theather und Orchester Heidelberg, uma produção chilena que conta a história de uma comunidade alternativa de classe média que se levanta em defesa de seu território; C H A N C H O, da boliviana Chakana Teatro; e El Ritmo (Prueba 5), dirigido por Matías Feldman e encenado pela companhia argentina Buenos Aires Escénica. De Portugal, Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas, da diretora Joana Craveiro, percorre mais de 80 anos da história lusa, da ditadura do Estado Novo ao processo revolucionário pós-1974, sendo a primeira vez que Joana vem ao Brasil com uma montagem. A também portuguesa Amazónia, da companhia Mala Voadora, projeta em nossa floresta a relação da espécie humana com a natureza, além de levantar questionamentos sobre a nossa sociedade. Alguns trabalhos desenvolvidos ao sul do continente americano trazem como marca a pesquisa de linguagem.  O dramaturgo uruguaio Sergio Blanco, que já esteve no Mirada em 2016 com La Ira de Narciso, apresenta El Bramido de Düsseldorf, sua mais recente obra de autoficção. Do mesmo país, Jimena Márquez investiga a linguagem na distância entre mãe e filhos em Lítost – La frustración. Produção Brasileira Da programação nacional, destacam-se espetáculos de diferentes regiões e propostas cênicas. Além das estreias mencionadas acima, Colônia, monólogo com o ator Renato Livera e direção de Vinicius Arneiro, remete ao caso verídico de genocídio dos mais de 60 mil pacientes no Hospital Colônia, instituição psiquiátrica que no início do século XX promoveu uma espécie de holocausto mineiro em Barbacena (MG); Preto, da Companhia Brasileira de Teatro, discute o racismo, seus desdobramentos subjetivos e objetivos no Brasil; e também Guanabara Canibal, da Aquela Cia. de Teatro, que revisita a fundação da cidade do Rio de Janeiro a partir do massacre indígena promovido pelos colonizadores portugueses. Com Caliban – A Tempestade de Augusto Boal, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, com 40 anos de atuação, encena na rua uma adaptação feita por Boal, anos 1970, para o clássico de Shakespeare. A obra denuncia os abusos das relações coloniais que têm pautado as políticas na América Latina desde o século XVI. A Invenção do Nordeste, do Grupo Carmin, traz para a cena uma importante crítica cultural, baseada na obra do historiador Durval Muniz de Albuquerque, que questiona a construção estereotipada do imaginário nordestino, em resposta à onda de preconceitos que se intensificou nas redes sociais durante as eleições de 2014. A ficção como procedimento da dramaturgia contemporânea aparece na montagem de A Vida, de Nelson Baskerville, com a Antikatártika Cia Teatral. Para Crianças A programação também inclui produções dedicadas ao público infantil. O paulistano Grupo XIX de Teatro apresenta a primeira obra de seu repertório voltada às crianças: Hoje o Escuro Vai Atrasar para que Possamos Conversar. A espanhola Markeliñe, que já participou do Mirada em edições anteriores, apresenta Euria (Lluvia), espetáculo encenado fora de seu país de origem pela primeira vez e que aborda o contato com a morte e a superação de momentos difíceis. Entre as obras que falam a qualquer faixa etária de público, a produção brasileira O Circo de Soleinildo, da baiana Cia. Operakata de Teatro, trata de nostalgia, fracasso e de frustração, mas a perda nesse caso é a de um ofício e de uma tradição: o circo mambembe, que está morrendo com a concorrência dos empreendimentos de grande porte. Trocas e Criações Mais uma novidade desta edição será o compartilhamento de um processo de pesquisa cênica coordenado pelos diretores Luiz Fernando Marques (Lubi) e Nelson Baskerville. Atualmente em residência artística, onze grupos da região da Baixada Santista foram selecionados para a criação de monólogos e exibirão ao público uma prévia de seus projetos no Museu Histórico Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, Guarujá. Para ampliar discussões e abordagens, o festival traz uma série de ações formativas em diferentes formatos – mesas de debate, workshops e residências artísticas. O conjunto de atividades formativas que compõem esta edição conta com curadoria compartilhada entre técnicos do Sesc, a dramaturga Dione Carlos e o diretor André Guerreiro. As temáticas que permeiam essas práticas estão relacionadas a temas atuais, interdisciplinares e pertinentes às histórias que serão contadas nos palcos durante o festival, como a situação dos refugiados no mundo, a condição da mulher em suas diferenças e complexidades, os questionamentos sobre narrativas históricas e o racismo, as memórias coletivas e a iminente demanda por processos de revisão histórica que brota das sociedades de países da América Latina e Caribe. Assim, o festival convida o público a se relacionar com outras visões de mundo e experiências culturais, estabelecendo um diálogo que provoque um pensamento crítico sobre questões da vida contemporânea. O Festival Criado em 2010 para evidenciar a pluralidade de estéticas e as pesquisas nas artes cênicas dos países da América Latina e Península Ibérica, o MIRADA chega à sua quinta edição reforçando as similaridades e pluralidades que se estabelecem entre a produção desses países na cidade de Santos, que carrega, além de sua beleza natural, a vocação de palco perfeito para evidenciar e proporcionar o intercâmbio entre os povos.