Consuelo de Paula é Maryákoré, Katxerê, Marielle da maré em novo álbum

“Maryákoré” traz uma artista no esplendor de seus fazeres artísticos, canto, composição, voz, violão, paixão. O melhor de tudo, no entanto, é que ela atinge este auge com jeito duradouro, fome e gás para muitas outras voltas

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Consuelo de Paula, que também é Maria, virou “Maryákoré” para batizar o seu sétimo álbum, um lindo desafio onde a cantora e compositora, tão afeita aos cantos da nossa gente, mergulha no mais profundo dos brasis, na busca pelos sons dos nossos primeiros habitantes. Além de seu prenome, a palavra-título junta koré (flecha na língua paresi-haliti, família Aruak), oré (nós em tupi-guarani), yakoré (nome próprio africano). “Maryákoré” é uma contundente resposta em dois movimentos aos nossos dias. A própria canção-título traduz, em seu verso chave, a que veio o álbum: “Sou a fumaça que sobe na mata na hora mais quente / a fogueira no quintal da minha gente / sou maryákoré, katxerê, marielle da maré / sou a lua, a luta e os nossos olhos brilhando horizontes” Todas as canções são de Consuelo de Paulo, com exceção de duas: “Ventoyá”, com letra de Déa Trancoso e “Remando Contra a Maré”, com melodia de Rafael Altério. Além disso, Consuelo assina a direção, os arranjos, algumas percussões (caixa do divino, cincerro, unhas de lhama, entre outros) e todos os violões, que ao lado de sua voz, são a marca registrada do disco. Em uma direção quase oposta, Consuelo de Paula segue a tradição de João Gilberto, do cantautor onde a base de sua obra se concentra no canto e no toque do violão. O Brasil de Consuelo, no entanto, como foi dito acima, é descentralizado. Corre do eixo Rio-São Paulo para os seus rincões. Ainda na direção do avesso, “Maryákoré” não é, em momento algum, folclorizado. Sua música, assim como em Villa-Lobos, é uma ode aos nossos povos que prescinde de qualquer cópia. Assim como ela mesma explica, é uma canção que “traduz uma arte guerreira e amorosa, que se alimenta da força dos ventos, das brisas e das tempestades; nasceu entre o dia e a noite, entre a cidade e as matas, entre raios e trovões”. Suas harmonias são ricas, as melodias lindas e donas de uma leveza inconfundível, as letras são sonoras e contundentes. Um conjunto de sentimentos improváveis onde ternura e luta se fundem, como no belo e surpreendente samba de roda “Chamamento”, uma versão guerreira para o “ninguém solta a mão de ninguém”: “Vai chamar meu povo / o pajé, o capoeira / as senhoras, as meninas / ... / vai chamar o sol mais quente / a lua cheia, a ventania, o trovão fora de hora / o raio e a nossa alegria / ... /”. Além de Consuelo de Paulo em vários instrumentos, “Maryákoré” conta com Carlinhos Ferreira na percussão e Guilherme Ribeiro no piano. Um álbum quase orgânico, onde a experiência da autora em rodas de violeiros, cantorias e reuniões se sobressai de maneira milimetricamente refinada e prazerosa. “Maryákoré” traz, enfim, uma artista no esplendor de seus fazeres artísticos, canto, composição, voz, violão, paixão. O melhor de tudo, no entanto, é que ela atinge este auge com jeito duradouro, fome e gás para muitas outras voltas.