Ennio Morricone ocupa mesmo lugar no paraíso de Strauss, Mozart, Bach e Beethoven

Se talento dele dispensa comentários, vale ressaltar que ele compunha no papel, sem ouvir, o que lhe permitiria criar música mesmo se ficasse surdo, como Beethoven, por Marcelo Lyra

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Por Marcelo Lyra*

Um misto de tristeza e enorme gratidão por sua obra inundaram cinéfilos do mundo inteiro ao saber da morte, aos 91 anos, do maestro Ennio Morricone, um dos mais prolíficos autores de trilhas sonoras. Foram cerca de 500 trilhas para cinema, televisão e música clássica, muitas delas maravilhosas. Destacamos as dos filmes Três Homens em Conflito, Era Uma Vez na América, Cinema Paradiso, Os Intocáveis, A Missão e tantos outros. As trilhas de Três Homens em Conflito e Por uns Dólares a Mais, revolucionaram a trilha para cinema e até hoje são assobiadas pelas ruas por pessoas que muitas vezes nem conhecem os filmes, bem como por muitas mais que as amam. E é muito raro que cinéfilos não caiam em lágrimas ao som da melodia final de Cinema Paradiso.

Se talento dele dispensa comentários, vale ressaltar que ele compunha no papel, sem ouvir, o que lhe permitiria criar música mesmo se ficasse surdo, como Beethoven, que também compunha no papel.

Também era curioso o fato de, como Alfred Hitchcock, outro gênio de igual quilate, sempre ter sido absurdamente esnobado pelo Oscar, o que mostra quão pouco séria costuma ser essa festa da Academia de Hollywood. Em mais de cinco décadas havia recebido seis indicações, mas apenas um Oscar pelo conjunto da obra em 2007, o que nada mais é que um prêmio de consolação. Ironicamente a injustiça foi corrigida e ele venceu pela trilha (que nem é excepcional) de Os Oito Odiados, filme dirigido por um de seus maiores fãs, Quentin Tarantino, que já retrabalhava suas trilhas em diversos filmes, notadamente Kill Bill 2, Bastardos Inglórios e Django Livre. Com isso ele se tornou a pessoa mais idosa a vencer um Oscar.

Enquanto o Oscar o esnobava, Morricone colecionava prêmios respeitados mundialmente, como seis Baftas (o Oscar inglês), três Grammy,e três Globos de Ouro, entre outros. E conquistava milhões de fãs em todo mundo. Discos com suas trilhas de filmes iam rapidamente ao topo das vendas. O prestigiado maestro Yo-Yo Ma lançou um disco com suas trilas orquestradas que ficou 105 semanas na lista da Bilboard de discos clássicos. Ele só perde em popularidade para outro gênio das trilhas, John Willians, autor das trilhas de Star Wars, De Volta Para o Futuro, Harry Potter e muitas outras.

Se existe um plano no além, certamente maestros tão bons quanto ele, como Strauss, Mozart, Bach e o próprio Beethoven, devem estar guardando seu lugar lá, loucos para conhecê-lo!! Adeus Morricone. Te amaremos para sempre!

*Professor, crítico de cinema e jornalista. Formado em jornalismo pela PUC-SP em 1989, cursou as disciplinas de roteiro, montagem, crítica de cinema e de história da crítica, na Escola de Comunicação e Artes da USP. Passou por quase todas as editorias de jornais até chegar, em 1999, ao Caderno 2 do Jornal O Estado de S. Paulo, quando tornou-se repórter de cinema e eventualmente assinava a coluna de Filmes na TV. Foi crítico de cinema do Jornal da Tarde e colaborador de inúmeras publicações, sempre na área de cinema. Atualmente escreve para o jornal Valor Econômico, além de ministrar regularmente cursos sobre crítica de cinema, história do cinema, cinema brasileiro e outros. É autor do livro “Cinema Como Razão de Viver”, publicado em 2003. Em 1993 foi vencedor do prêmio Abic de melhor reportagem.