Leviatã de Paul Auster, as estátuas de Luciano Hang e o planeta dos macacos fascistas

No romance de Paul Auster o protagonista explode réplicas da Estátua da Liberdade, enquanto no Brasil internautas explodem a reputação do Véio da Havan

Foto: Montagem/Reprodução
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“Leviatã” é um dos romances mais famosos do americano Paul Auster que, por sua vez é um dos escritores mais conhecidos e destacados no planeta.

Nele, o protagonista, um promissor romancista chamado Benjamin Sachs, explode réplicas da Estátua da Liberdade pelos EUA. Por lá, assim como por aqui com o Cristo Redentor, as réplicas do icônico monumento se espalham pelo país afora.

Escrito em 1992, portanto, muito antes do 11 de setembro de 2001, o livro aborda o terrorismo com certa ironia e uma trama intrincada. Deixo o Auster – que merece sempre ser lido e relido – por aqui.

A relação, que o autor também já deve ter feito, foi direta e reta com a profundamente cafona e rastejante mania do empresário Luciano Hang de colocar frente a cada uma das suas inúmeras lojas da rede Havan uma réplica da própria, a Estátua da Liberdade.

Símbolo da controversa democracia americana, a estátua serve no caso e contraditoriamente às inclinações fascistas de Hang. Ele mesmo, o Véio da Havan, que condiciona o que imagina como liberdade de mercado, às custas de quantas vidas forem necessárias, ao pensamento bolsonarista. Se é que há um.

Nesta segunda-feira (24), um ciclone derrubou a réplica da loja de Hang de Capão da Canoa (RS). O acidente nos proporcionou uma imagem épica, onde a dita cuja liberdade aparece com um poste encravado de maneira enviesada às costas. As redes, por sua vez, pulularam de alegria e deboche.

O internauta Paulo RJ, do perfil @hospicio_brasil chegou a lembrar o final do filme “O Planeta dos Macacos” (1968), de Franklin J. Schaffner e protagonizado pelo ator também fascista e armamentista Charlton Heston. Na cena em questão, Heston descobre, ao se deparar com a Estátua da Liberdade partida ao meio, que todo o tempo esteve no planeta Terra. A legenda do internauta não poderia ser mais certeira: “O Planeta dos Macacos Fascistas”.

https://twitter.com/hospicio_brasil/status/1396816487902502914

Não tão curiosamente, sempre que cai ou pega fogo uma das estátuas de Hang, seus detratores que se espalham aos milhares Brasil afora comemoram nas redes sociais, nos mesmos meios onde o empresário construiu sua imagem.

Após ter uma réplica da unidade de São Carlos (SP) totalmente destruída pelo fogo, em dezembro de 2019, Hang se vestiu de xerife e produziu um filme onde oferece cem mil reais a quem pegar o “terrorista” que incendiou a sua estátua.

Ainda em dezembro de 2019, outra réplica de 30 metros da estátua da liberdade da Havan foi erguida na avenida turística que liga Gramado a Canela, na Serra Gaúcha. A cidade aprovou na época um projeto de lei especial para que o empreendimento de Hang entre na região. A decisão, no entanto, teve que passar por abaixo-assinado e forte resistência de moradores.

Cerca de dois mil moradores se organizaram para tentar barrar a construção da réplica, acusando-a de ser uma “violência simbólica” contra a região, que é um dos principais pontos turísticos do estado. Comerciantes locais também reprovaram a ideia, temendo perder espaço para grandes varejistas. Em Bauru, interior de São Paulo, e em Brasília também, ocorreram manifestações contrárias à instalação do monumento.

O bom de tudo, no final das contas é que os detratores de Hang – ao contrário do Benjamin Sachs, de Auster, que antes de ser capturado pelo FBI explode a si próprio em milhares de pedaços – reinventam, com escárnio e criatividade, um modus operandi à brasileira que coloca o empresário e suas estátuas no devido lugar: o chão.