O Dicionário de Imprecisões de Ana Elisa Ribeiro, por Manoel Herzog

Com uma infinidade de trabalhos publicados, lança agora este Dicionário de Imprecisões, obra em que conjuga suas três competências – poeta, linguista e professora universitária – com delicadeza ímpar

Foto: Divulgação
Escrito en CULTURA el
Ana Elisa Ribeiro, nome dos mais proeminentes da cena de Belo Horizonte, por seu turno uma das capitais mais literárias do mundo, é poeta, linguista e professora universitária. Com uma infinidade de trabalhos publicados, lança agora este Dicionário de Imprecisões, obra em que conjuga suas três competências com delicadeza ímpar. Não é novidade a criação de dicionários pessoais, Millôr, Drummond, etc. já se lançaram a projeto idêntico com bastante desenvoltura, mas o compêndio, o glossário dos termos de cada indivíduo, quando este indivíduo tem o que acrescer à Língua, criação coletiva, é sempre delicioso de ler. Eu próprio, há duas colunas atrás (https://revistaforum.com.br/colunistas/manoel-herzog/dicionario-de-neologismos/) lancei um verbete do meu Dicionário de Neologismos, admorador, o que pra mim é prova absoluta de sintonia com a tendência atual que a poeta mineira também captou (até então eu não tinha lido sua última obra, esta que aqui resenho). Ana faz milagre ao nível da desconstrução das palavras, como podemos constatar no poema FILHO Substantivo, aqui masculino e sujeito a plural 
  1. Diz-se daquele que nasce das entranhas de alguém.
  2. Diz-se daquele que se forma a partir da matriz biológica de seus pais e nasce das entranhas da mulher.
  3. Diz-se daquele que pode ser adotado por pessoas dispostas ao amor.
  4. Diz-se daquele que provê céus e infernos a outrem.
  5. É extremamente comum que tenha como mãe uma puta.
  6. É também comum que não sejam mesmo putas suas mães.
  7. Os pais escapam a essas acusações.
  8. Os dicionários não podem definir essas relações satisfatoriamente.
ou em CASAL Substantivo masculino monogâmico – ou não
  1. Diz-se de uma dupla composta por pessoas de qualquer combinação entre os sexos, em tese unidas pelo amor.
  2. Cabe também aos pombos.
  3. Diz-se quando duas pessoas se fundem, se confundem, desnaturando-se mais a identidade de apenas uma delas.
  4. Possibilidade de conjugação de duas individualidades, em geral inconciliáveis.
  5. Ver dupla.
  6. Pode-se definir com mais otimismo.
Não é empreitada simples lançar um volume de termos analisados (anaelisados?) e requalificados segundo a nossa idiossincrasia pessoal. O fato de cada um ser um é que faz da Língua processo dinâmico, pois é óbvio que cada qual entende de cada palavra uma coisa, ou lê de um mesmo livro uma interpretação diferente, até daquela que o autor pretendeu dar. Por isso o dicionário de Ana Elisa é a sua forma de contar pro Universo como ela entende esta matéria que tão bem investiga, a Linguagem, e que naturalmente é diferente da de Noam Chomsky, de Antônio Cândido ou de Northop Frye. Vale muito à pena saber o que os especialistas pensam destes signos que nos revelam o mundo, as palavras, até pra nos ajudar a nós, curiosos e falantes, a criar a nossa própria inteligência do idioma falado. Serviço: Dicionário de Imprecisões, poesia, Editora Leme, Belo Horizonte, 2019, R$.52,00