O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov, está em cartaz em São Paulo

Espetáculo, que estreou há 115 anos e é um dos pilares da dramaturgia ocidental, é encenado pelo Grupo Tapa no Teatro Aliança Francesa. Por Milena Buarque

Foto: Ronaldo Gutierrez/Divulgação
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Por Milena Buarque* Livrar-se do peso do passado é uma das urgências para Andrêievna Raniévskaia, Liúba, dona de um cerejal improdutivo, ainda que carregado de um valor afetivo. Ambientado na Rússia do início do século XX, na iminência de uma revolução social e cultural hoje distantes, O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchekhov (1860-1904), ao falar de trabalho, produção e servidão mostra-se, ironicamente, ainda atual. Encenada pela primeira vez em 1904, há 115 anos, o espetáculo estreou neste mês no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, pelo trabalho artístico do Grupo Tapa, que completa 40 anos de trajetória em 2019. Não é a primeira vez que a companhia leva Tchekhov para os palcos. Em 1998, para celebrar seus 20 anos, o grupo escolheu Ivanov, primeiro texto do dramaturgo russo como marco da maioridade do grupo. O Jardim das Cerejeiras, obra prima final de Tchekhov, celebra agora sua maturidade. [caption id="attachment_165887" align="alignnone" width="386"] O Grupo Tapa. Foto: Ronaldo Gutierrez/Divulgação[/caption] Na peça, a família aristocrata proprietária do cerejal parece, sem adequação, encontrar-se na vala que separa o passado, firmado em status e aparências, de um futuro em que o mundo como se conhece já não é mais tão previsível e acertado. Essa aversão – e, claro, desprezo – manifesta-se por exemplo quando Leonid, irmão de Liúba, comenta sobre a possiblidade de emprego em um banco e completa: “banco só para sentar”. O acontecimento central, em termos de narrativa, é a possível venda do jardim, uma propriedade que poderia ser mais produtiva se se convertesse em um balneário para veranistas, com lotes a 25 rublos por hectare, segundo um colega negociador. A percepção de certo peso do passado relatado por Liúba revela-se aí: envoltos em problemas e dificuldades financeiras, os dois chegam da França pensando justamente em uma maneira de evitar o leilão. Em todas as relações, entre patrões e empregados, mãe e filhas (uma delas “adotiva”), no estar ou nos “fundos”, são visíveis os incômodos e as expectativas geradas pelas transformações da História. Engana-se quem pensa que as queixas ocupam apenas os discursos dos endinheirados: parte da máquina da servidão, o criado Firs (merecido destaque para o ator Guilherme Sant’anna) lamenta o fim de um mundo em que os papéis sociais de senhores e servos eram bem rígidos e delimitados. Contudo, há 115 anos, o autor também já falava dessa ambígua e enganosa relação aparentemente familiar, de participação e exclusão, abordada no cinema, para ficarmos somente aqui, em filmes como Que Horas Ela Volta? (2015) e Roma (2018). Como sintetiza Firs: “um bom para nada”. Tchekhov faleceria meses depois da estreia de O Jardim das Cerejeiras, ainda no início de seu sucesso. A peça, encenada pelo Tapa, segue em cartaz até 25 de fevereiro. Serviço: Até 25 de fevereiro Horário: quintas, sextas e sábados às 20h30 e domingos às 19h Ingresso: quinta e sexta: R$30,00; sábado e domingo: R$60,00 Onde: Rua General Jardim 182 – Vila Buarque * Especialista em Estudos Brasileiros (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESPSP), Milena Buarque é jornalista e blogueira. Costuma escrever sobre arte, cultura, política e direitos humanos.