“Pelão – A Revolução pela Música”, a história de um sonho que parecia impossível

Livro do jornalista Celso de Campos Jr. conta a história do produtor que gravou os primeiros discos de Cartola, Nelson Cavaquinho, Adoniram Barbosa, Radamés Gnattali, Pixinguinha, Carlos Cachaça, Donga, Nelson Sargento entre outros

Foto: Divulgação/Editora Garoa Livros
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Há três coisas imprescindíveis no lindo livro “Pelão – A Revolução pela Música”, do jornalista Celso de Campos Jr., não necessariamente por ordem de importância. Uma delas é a espantosa biografia em si do produtor musical João Carlos Botezelli, conhecido no meio como Pelão. Outra é a história musical que ele conseguiu erguer através da sua obstinação. A terceira, por fim, é o texto em si.

Jovem ainda – Celso de Campos Jr. nasceu quase na década de 80, quando tudo o que conta já era passado recente –, o autor consegue através de expressões da época, um texto fluido que lembra a grande fase da crônica boêmia brasileira da década de 60 e 70. Na maneira como escreve, Campos resgata de maneira exata, quase como um cenário, o ambiente que permeava as aventuras de Pelão.

Expressões como “macete”, “metiê”, entre outras envoltas em torno da narrativa dão ao leitor, quase como um filme, a atmosfera de um tempo.

E esse tempo parte da obstinação de um indivíduo absolutamente apaixonado, não só pela música brasileira, mas pela possibilidade de traduzir a sua sonoridade, assim como ele a ouvia em botecos, rodas e vielas, para o disco. Aqui vale uma pequena nota de rodapé para o leitor. Disco, desde sempre, é uma coisa maquiada, repleta de efeitos e truques que, muitas vezes, não revelam nem de longe a alma e a música do artista.

E foi contra isso que Pelão lutou, e todas as vezes venceu, nos antológicos álbuns que fez. O primeiro de todos, pelo selo Odeon, traz um Nélson Cavaquinho nunca antes ouvido nos bolachões, com a mesma voz rouca e o seu violão, tocado com dois dedos, com sonoridade ímpar.

Pelão não tinha formação musical alguma, mas sabia ouvir. Sabia também o que queria. E, com toda a empáfia do mundo, se enfiava entre os maiores músicos da época e os regia, dizia quem ia entrar aqui, sair ali etc. Celso de Campos descreve vários desses momentos. Coloca o leitor entre o estúdio e os anseios do produtor que, com bom humor irresistível debocha de si, de tudo e de todos.

Vale um spoiler sobre a história da gravação do primeiro disco de Cartola, aos 65 anos. Por sinal, aqui tem outra nota. Não fosse Pelão e, provavelmente, Cartola jamais teria gravado discos seus. A briga com o então dono do selo Marcus Pereira não foi nem um pouco fácil, como não foi em nenhum dos outros. Pereira relutou e, quando finalmente cedeu, ao ouvir o disco pronto o considerou uma “merda”. Disse que não iria lançar mais nada. Não bastasse isso, disse que havia vazado até latido de cachorro no som. O incauto empresário se referia à cuíca do mestre Marçal.

A saída encontrada por Pelão foi dar uma cópia do disco para o crítico Maurício Kubrusly, que lascou no título de sua crônica: “o melhor disco do ano ainda não foi lançado”. Marcus Pereira não teve outra saída a não ser prensar o álbum, que virou um dos maiores da nossa música e, por conta disso, o constrangido empresário passou o resto da vida se jactando dele.

No final das contas, é isso. O livro “Pelão – A Revolução pela Música”, de Celso de Campos Jr., conta a história do homem responsável pela gravação dos primeiros discos solos de Cartola, Nelson Cavaquinho, Adoniran Barbosa, Radamés Gnattali, Pixinguinha, Carlos Cachaça, Donga, Nelson Sargento e muitos outros.

O livro tem ainda um excelente projeto gráfico, em formato de LP um pouco menor, inspirado no layout de algumas capas feitas pelo artista Zé Maury de Barros para os discos produzidos pelo Pelão.

Que a história de Pelão, trazida pelas mãos hábeis de Celso de Campos Jr., sirva de exemplo para novos produtores e diretores de selos e músicos.