Retorno a Homs: documentário sírio nos leva para dentro da guerra civil

Filmado entre 2011 e 2013, obra mostra cada um dos estágios do conflito: das reuniões iniciais e a reação do governo atirando nos manifestantes até a guerra total

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Filmado entre 2011 e 2013, obra mostra cada um dos estágios do conflito: das reuniões iniciais e a reação do governo atirando nos manifestantes até a guerra total Por Alexander Hobbs, em World Policy Blog | Tradução Vinicius Gomes "Retorno a Homs", um documentário pelo cineasta sírio Talal Derki, teve sua estreia nos EUA no Festival de Sundance, em janeiro, onde venceu o Prêmio de Melhor Documentário pelo Grande Júri. Filmado entre 2011 e 2013, na cidade de Homs, na Síria, o filme documenta a evolução do conflito na Síria desde pacíficas manifestações nas ruas até a desastrosa guerra civil. O diretor nos leva através de cada um dos estágios que escalaram o conflito: as reuniões iniciais de descontentamento; o governo atirando nos manifestantes; cidadãos se armando para defender seus protestos; o exército respondendo com ainda mais violência e, finalmente, a descida à guerra total. Ao mesmo tempo, a audiência testemunha como os jovens rapazes pegos no meio do fogo cruzado se transformam de cidadãos a soldados armados em apenas dois anos. Apesar de Retorno à Homs documentar a guerra civil de um país, ele também conta de maneira comovente a história de um jovem, Abdul Basset. Quando a plateia conhece Basset, ele é o goleiro de 19 anos da seleção síria de futebol. Ao mesmo tempo em que seu país é engolido pelo conflito, ele deixa sua carreira de goleiro para liderar os protestos em canções contra o governo nas ruas de Homs. Sua transformação captura a atenção da platéia que assiste sentada a mundos de distância. O mais notável aspecto do filme é a habilidade em capturar a natureza orgânica da transformação do conflito, de paz para a violência. Falando à audiência após a exibição, Orwa Nyrabia, um dos produtores e fotógrafos do filme, disse que ele e seus parceiros não tinham a menor ideia do que esperar quando eles chegaram a Homs. Eles apenas ligaram suas câmeras e a guerra se desenrola ao redor deles. A abordagem utilizada permitiu ao diretor construir uma narrativa da perspectiva dos homens e mulheres pegos no meio de toda a ação. Nos foi permitido testemunhar o processo que leva Basset e seu amigo ainda mais fundo na violência e distantes de suas vidas normais anteriores. Dessa maneira, o filme serve mais como um épico poético do que um documentário: uma narrativa de ações empreendidas que não oferece nenhum julgamento nem explicações, servindo apenas como um testemunho das ações para que nós da plateia tiremos nossas próprias conclusões. Após a cidade se tornar perigosa demais para os cineastas retornarem, eles recrutaram “ativistas de mídia” para filmar a ação com câmeras de mão. Seus olhos não-treinados permitiram a todos testemunhar a experiências cruas e momentos francos dos homens que o governo sírio taxou de terrorista. Em determinado cena, um grupo de homens, todos que não aparentavam ter mais de 26 anos, se encolhem ao redor de Basset enquanto este os lidera em uma canção. Atrás deles, um de seus camaradas ocasionalmente dispara seu rifle através de um buraco na parede. São momentos raros como esses, os quais o filme tem abundância, que mostram vislumbres privilegiados dentro das vidas pessoais desses soldados-cidadãos. O filme então é subsequentemente preenchido de explosões, tiroteios e gritos, assim como qualquer um esperaria, de qualquer documentário de guerra. No entanto, a mais proeminente experiência auditiva do filme não são os sons da violência, mas as inesperadas canções. Basset, o protagonista do filme, canta constantemente – suas canções agindo tanto como uma janela para sua alma e como um espelho para o conflito. Assim como Basset, sua cantoria se transforma ao decorrer do filme, desde suas primeiras músicas idealistas implorando ao exército para abrir os olhos e não atirar em seus irmãos, até seu lamento final pelos mártires, pedindo às mães para não ficarem tristes por seus filhos mortos, pois eles ganharam glória eterna. O filme humaniza o conflito sírio de tal maneira que é impossível não se identificar e simpatizar com seus heróis. Estes não são terroristas, subordinados da Al Qaeda ou fantoches da Arábia Saudita. Estes são homens, tão rapidamente relacionáveis, que é impossível não me imaginar no conflito enquanto assisto ao filme. Eles têm a minha idade – têm as mesmas esperanças e sonhos que eu. Eles são apenas um grupo de amigos capturados nas garras de um infeliz destino e não irão se manter passivos enquanto suas famílias são mortas e suas casas são destruídas. Eles estão encenando a eterna história do herói, indo além de suas experiências cotidianas de suas vidas, tornando-se personagens em uma épica saga – que tem como desfecho a mudança do curso da história. Eles estão jogando com suas vidas para descobrir seus destinos. É o clássico quadro que qualquer espectador está inclinado a se conectar. Como uma testemunha dessa história, eu me pergunto teria eu a mesma coragem de Basset e seus amigos? Nós não temos como saber se Basset tem sucesso ou não, já que o filme termina sem completar sua história. A última cena é de Basset na traseira de um caminhão com seus camaradas, retornando à Homs, cantando suas canções, assim como na primeira vez que o conhecemos. Exatamente como o desfecho da guerra, o destino de Basset permanece oculto do espectador. Assistindo-o retornar à Homs, eu me pergunto, seria Basset um herói ou um homem consumido por um desejo de morte, desesperadamente procurando o martírio? Eu tirei minha própria conclusão, o filme não. Você, o espectador deve tirar a sua. Eu direi, entretanto, que enquanto exista Bassets no meio de guerras civis, o mundo não pode desistir da Síria; enquanto houver Bassets, nós encontraremos um poderoso aliado na luta pela liberdade contra a opressão. Retorno à Homs, por Talal Derki, é um dos mais memoráveis filmes que já assisti. Se tiver a chance, assista-o.