Seis anos sem Chorão

Para nós, mais próximos, ficou uma perda muito maior. A do menino Alexandre que um dia sonhou – e conseguiu – ter uma grande banda de rock contando as coisas que vivia e acreditava

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Conhecia o Chorão desde sempre, nas andanças pelos bares onde se tocava música em Santos, litoral de São Paulo, cidade onde surgiu com a sua lendária banda Charlie Brown Jr. Não éramos amigos muito estreitos, desses de frequentar a casa, mas sempre que dava jeito a gente conversava muito, sobre música, sobretudo, e também sobre a vida. A sua morte, há exatos seis anos, assim como a todos os fãs e admiradores, me pegou em cheio, num misto de profunda tristeza e uma certa desesperança. Conhecia a sua história desde o começo e torcia muito por ela. Naquele dia, num jato de emoção e perplexidade, escrevi o texto que segue abaixo. Adeus, Chorão (março de 2013) Era o mesmo. Não tinha essa de fama, assessoria de imprensa, o que iam dizer ou deixar de dizer. Era o mesmo de antes, quando era menino, em Santos e não engolia meio desaforo de ninguém. Falava e fazia o que queria e pronto. Muitas vezes pagou caro por isso. Em outras ganhou muito, com suas canções sinceras e diretas, coisas que vinham do peito, da alma, do seu talento indiscutível. Era o mesmo também quando chegava de volta à sua praia, aos seus amigos. Não tinha essa de sou bom e famoso, sou o cara, sou o Chorão. Reclamava do que estava errado, celebrava o que estava certo e não escondia. Adorava estar de volta: “Pô, cara, adoro voltar pra esse lugar!”. Ao contrário da imensa maioria dos homens públicos, Chorão errou em público ao invés de fazer escondido, acovardado pelo mainstream, pela mídia que poupa os que fazem o papel que ela acha que deva ser feito. Nunca foi daqueles que dava uma de bonzinho quando ligavam as câmeras. Mas, sobretudo, ele era o mesmo quando ia fazer o que mais sabia e gostava: a música. Tinha aquilo que é o mais valioso em um artista. Não dissimulava nada. Sua canção era a sua vida, o palco o seu habitat, sua voz e discurso o que tinha pra oferecer. Era o próprio garoto santista, marrento e alegre, skatista de dia e músico de noite. Logo nos versos iniciais de “O Coro vai Comê”, um de seus primeiros sucessos, revelava o sotaque da praia paulista e a troca característica do pronome: “Meu, tu não sabe o que aconteceu, os caras do Charlie Brown invadiram a cidade”. E foi uma invasão mesmo. Dali em diante, o menino que batalhava duro por um lugar ao sol, batendo em gravadoras com suas demos, virou mania nacional. Munido de uma banda poderosa, que contava com as guitarras de Thiago e Marcão, o baixo do Champignon e a tonitruante bateria do lendário Renato “Pelado” – o único que nunca voltou a tocar no grupo – conquistou o país, virou um ídolo que nunca deixou de ser santista. Aonde ia falava da cidade, do seu time, sempre com o sotaque típico, com um cantado carregado, trocando os esses pelo xis. Nesta manhã calorenta, com o metrô empanturrado de gente, a notícia de sua morte surge surpreendentemente como um pesadelo no monitor do veículo. Vários passageiros se espantam e lamentam. São meninas e meninos, oficceboys, estudantes, jovens em sua maioria, chocados com a partida prematura do ídolo. A vida segue em São Paulo e em todo o país, como sempre tem que ser. A imprensa vai manter a história por algumas semanas, até que a indústria de entretenimento devore outro. Para nós fica uma perda muito maior. A do menino Alexandre que um dia sonhou – e conseguiu – ter uma grande banda de rock contando as coisas que vivia e acreditava. Um garoto engraçado, despachado, marrento, cheio de talento e opiniões. Um menino que incorporou como poucos a nossa alma santista e a levou adiante. Fora todas as versões que vão surgir nos próximos dias, a única coisa líquida e certa nisso tudo é que eu adoraria não estar escrevendo este texto.

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