Manoel Herzog: Um Estudo sobre os cruzeiros da classe média

Direto do Porto de Santos, Manoel Herzog comenta, através do seu psicografando, Klauss Kronemberg, em artigo de 1948, “a pobreza de espírito dos novéis turistas emergentes do porto de Neuss-Düsseldorf, que regularmente, nas férias de verão, saem apinhados em diversos navios”

Imagem de Daniel Dobrovolskis sobre foto de divulgação
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Por Klauss Kronemberg¹ Psicografado e traduzido pelo “médium” Manoel Herzog, que recebe estas mensagens dele por canalização. Fui muito criticado no meio acadêmico pela defesa de minha tese de futurologia empírica. No entanto, nada de charlatanesco há em minha ciência. Verdade que meu método foi desenvolvido a partir de leituras de Papus, Lévi, Parecelso et caterva. Também palmilhei os experimentos de Nostradamus, ver na fumaça das ervas o porvir. Mas tudo com base na lógica aristotélica e nos fundamentos cartesianos, posto que a existência segue os ditames de uma equação de infinito grau, e tudo o que virá dá-se por reflexo do que é ou já foi. Por isso, pouco erro em minhas previsões, feitas nas décadas de 30 e 40 deste triste século XX, o futuro haverá de consagrar meu método. Agora uma coisa é certa, quando falo da crescente onda de prosperidade no pós-guerra que eleva a status de classe média parte da população alemã, não estou fazendo previsões, senão que constatando fatos. Quando muito arrisco dizer que em setenta anos idêntico processo atingirá o litoral da América do Sul. Pois bem: uma das coisas mais tristes de se ver aqui em Deutschland é a pobreza de espírito dos novéis turistas emergentes. Saem daqui do porto de Neuss-Düsseldorf, regularmente, nas férias de verão, diversos navios apinhados do que há de mais deprimente em termos de humanidade. Arrojam-se em cruzeiros pelos mares europeus, num simulacro de elegância e glamour de todo incompatível com sua falta de leitura. Tenho assistido excursões marinhas embaladas ao som de pagode na piscina, macarena, danças das senhoras outonais com o capitão do barco, uso de smokings e jogatina em cassinos. O mais radical é a setorização que se faz, destituindo o caráter plural do humano e dividindo em classes os viajantes. Neste sentido tenho acompanhado o surgimento de cruzeiros de swing, cruzeiros de jovens, cruzeiros gay, cruzeiros de terceira idade etc. Nada, contudo, me soou tão bizarro quanto cruzeiro evangélico. Minto. Tem coisa mais pior sim. Confesso que acompanhei um desses tours aquáticos, não por deslumbramento, absolutamente, sou um intelectual desprendido dos bens materiais, senão por uma questão de dedicação a um estudo etnossociográfico. Embarquei num CRUZEIRO CULTURAL, no navio Das Glanz von der Seen*. O pacote incluía a companhia, no barco, de três renomados intelectuais daqui de Düsseldorf, um psicanalista, um crítico de cinema e um colunista social. As atividades culturais foram embaladas por grupos de monitores que, entre uma palestrinha e outra, propiciavam aulas de lambaeróbica e power-levitação. Também pudemos desfrutar de leituras críticas de Mia Couto e Carpinejar à beira da piscina, quando o grupo de pagode silenciava pra uma breja. De tudo o quanto assisti no cruzeiro cultural de Düsserdorf (temo que a experiência contamine a América Latina em meio século), posso afirmar sem medo de equívoco: Nada, absolutamente nada, nem cruzeiro evangayswinguístico, nem suruba, nem dedada, nada é tão pornográfico na porra dessa vida quanto cruzeiro cultural. *(Em alemão no original. Traduz-se por Esplendor dos Mares) – Nota do tradutor. ¹Klaus Kronemberg, Da Nova Classe Média e Seus Hábitos Burlescos, Berlim, 1948 tradução M. Herzog.