Estudantes mães solo, universidades públicas e a pandemia, por Ana Paula Nunes

“Ninguém soltar a mão de ninguém tem mostrado que ninguém segura a criança”

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
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Por Ana Paula de Jesus Nunes*

Em tempos em que estudar em uma universidade pública é estar sob constante ataque do Estado, para quem depende da assistência estudantil se torna algo ainda mais desafiador. Considerando que em tempos comuns as mães (*) solo universitárias enfrentam grandes dificuldades em conseguir ter suas necessidades atendidas por esses auxílios, diante dessa pandemia de Covid 19 - onde cada Instituição de ensino adotou uma medida para atender seus bolsistas -  fica indiscutível a falta de atenção à particularidade desse público.

Visando garantir a permanência dos estudantes no ambiente universitário, a assistência estudantil compreende em: “[...] concentrar esforços e otimizar os recursos destinados a garantir a permanência de estudantes de graduação em situação de risco social e realizar o enfrentamento à perpetuação das desigualdades sociais e à discriminação de grupos historicamente excluídos dos espaços legitimados de poder” (PROAE/ UFBA, 2006).

Este é o início da apresentação da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil da Universidade Federal da Bahia – UFBA (1); Apesar do compromisso público assumido, quando se trata do atendimento às estudantes mães solo fica evidente as muitas dificuldades em abranger as especificidades desse grupo e adaptar suas políticas de atendimento.

Estudantes com filhos no país inteiro cotidianamente lutam para incluir os seus dependentes em editais dos serviços de assistência estudantil. Normalmente, têm suas  necessidades colocadas em segundo plano e isso se reflete na falta de estruturas de moradia, atendimento de saúde, alimentação adequada e ainda na ausência/ dificuldade dessas estudantes participarem de eventos/ encontros universitários.

São muitas as fragilidades evidenciadas por conta da pandemia da Covid- 19. É necessário que se tomem providências urgentes para o atendimento dessas famílias que, muitas vezes, não contam com uma rede de apoio, pois com o fechamento das instituições e restaurantes universitários e a necessidade de isolamento social, os estudantes de baixa renda e, em especial, das estudantes com filhos se deparam com um novo desafio: como manter a saúde física e mental em época de crise na saúde/ financeira atual?

É inadmissível que os responsáveis pelas instituições não se disponibilizem para pensar coletivamente as melhores alternativas para essa crise. A situação é difícil para todos os estudantes bolsistas, mas torna-se insustentável quando se é arrimo de família e o posicionamento das universidades, diante dessa parte do corpo estudantil, fica evidente quando o diálogo em relação às demandas apresentadas que incluam nossas crianças é rejeitado.
Na UFBA não são permitidas crianças nas residências universitárias e as mães são, automaticamente, direcionadas para receber auxílio-moradia. As refeições disponibilizadas nos restaurantes universitários são apenas para os estudantes, sem nenhum complemento por conta das crianças.

Com as medidas de segurança sanitária adotadas, os restaurantes universitários foram fechados e nos fora fornecido um auxílio em dinheiro para que os estudantes bolsistas possam se alimentar nesse período.

O valor do auxílio é questionado pelos estudantes bolsistas porque o considerarem insuficiente. Além disso, as crianças não são consideradas no cálculo. Quando é proposto o diálogo dessas mães e os responsáveis pela assistência estudantil, sempre é enfatizado que o atendimento é apenas para o estudante, como se fosse possível para a estudante mãe solo ter condições de pensar sozinha nesse processo de formação acadêmica, tendo ela direito à moradia e alimentação e ter de aceitar que seu filho não será considerado. É absurdo e certamente é um agravante no acesso e permanência dessas mães nas universidades.

O quadro demonstra ser muito ruim também quando se trata dos relatos vindos das moradias, em que as crianças são permitidas. Assim é o caso de Cíntia (2), estudante de Pedagogia na USP campus São Paulo e moradora do Crusp. Ela discorreu sobre os reflexos do isolamento total do “bloco das mães” e o abandono, por parte da universidade. Trata-se de um relato desesperador sobre como estão sendo esses dias de isolamento, tendo que lidar com a indiferença do órgão responsável em tratar as questões das residentes, que clamam por apoio para enfrentar esse momento atípico.

É desumano esse descaso e pode se configurar como uma forma de nos matar, matar nossos filhos dentro e fora das casas estudantis - se não matar, ao menos deixar morrer. Quais são as situações das residências universitárias por todo o país, em especial às que mantêm os filhos de discentes?

Precisamos de respostas, precisamos de atenção ao básico para nos manter e manter nossos filhos nos espaços universitários. É nosso direito estudar e nosso direito passar por essa pandemia de forma segura e digna.

Ninguém soltar a mão de ninguém tem mostrado que ninguém segura a criança.

Este texto é uma forma de denunciar os diversos tipos de violências a que as mães e seus filhos passam nas universidades e, também, é um chamado à solidariedade para com essas mulheres: Que as instituições se responsabilizem em fazer o possível para garantir uma quarentena segura e digna para essas pessoas. Que os coletivos e os movimentos estudantis assumam a pauta dessas mães como prioritárias e que a sociedade se comprometa em garantir acesso e permanência à essas mães, para que possam estudar, pesquisar e, assim, construam uma universidade cada vez mais inclusiva e democrática.
(*)Cito mães por serem, em sua maioria, mães nessas condições, mas compreendendo que seja a realidade de pais trans, não binários e pais cis solos, que são estudantes de baixa renda.

(1)Pró-Reitoria de Assistência Estudantil da Universidade Federal da Bahia, 2006. Disponível em: <https://proae.ufba.br/pt-br/conheca-proae>. Acesso em 3 abr.2020.

(2)Nathan Fernandes; Coronavírus: ‘fomos abandonadas pela USP durante a pandemia, e não podemos nem morrer porque nossos filhos dependem de nós’. The Intercept Brasil. 01 abr 2020. Acesso em 3 abr.2020. Disponível em: <https://theintercept.com/2020/04/01/coronavirus-maes-dormitorio-universitario-usp/>.

*Ana Paula de Jesus Nunes é mãe e graduanda em Pedagogia pela UFBA. Vinculada ao Programa de Educação Tutorial - PET pesquisa sobre a importância da assistência estudantil para a inserção e permanência de estudantes com filhos nas instituições de ensino superior.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum