A pequena revolução da UERJ – Por Ricardo Lodi

Neste momento em que setores radicalizados da sociedade promovem uma guerra cultural contra as universidades públicas, chegando a ter quem propusesse a extinção da UERJ, ela se apresenta, mais forte, relevante e includente como nunca

Foto: Uerj (Reprodução)
Escrito en DEBATES el

Por Ricardo Lodi *

Quem mora no Rio de Janeiro ou acompanha a vida das universidades brasileiras bem lembra que, entre 2017 e 2018, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) quase deixou de existir, com a paralisação de todos os seus serviços em função da ausência de repasse de recursos por parte do Governo do Estado.  Naquele momento difícil, a comunidade se mobilizou em torno do lema: “UERJ RESISTE”! E a UERJ resistiu com a garra dos seus professores, estudantes e técnicos.

Hoje, a situação é bem outra, a despeito da crise financeira decorrente da desaceleração da atividade econômica em virtude da pandemia da Covid-19.  E foi exatamente durante o combate à pandemia que a UERJ deu a volta por cima, não só voltando a ser uma referência nacional no ensino inclusivo, na pesquisa e na extensão universitária, mas transformando-se na principal agência de políticas públicas do Estado do Rio de Janeiro.

Tal mudança já começou a ser sentida em 2020, quando a UERJ, por meio do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), foi unidade referência no Estado no tratamento de pacientes de Covid-19, em casos de média e alta complexidade, e da Policlínica Piquet Carneiro (PPC), como a maior notificadora do vírus do Rio de Janeiro, a partir da testagem em massa da população. Merece destaque também a atuação da Universidade na vacinação do povo fluminense, a partir da atuação destacada de seus próprios profissionais do HUPE, da PPC e da Faculdade de Enfermagem.  Até agora foram mais de 70.000 pessoas vacinadas. Neste período, a UERJ intensificou as suas pesquisas relacionadas ao combate ao vírus e à produção de equipamentos de proteção individual e do álcool em gel, para as suas unidades de saúde, diante da escassez desses produtos no mercado, no início da pandemia.  Para a fase final da pandemia, a UERJ criou o primeiro ambulatório multidisciplinar pós-Covid do SUS no Estado.

Com a exigência do isolamento social, a UERJ, assim como as demais instituições de ensino, se viu obrigada a adotar o ensino remoto emergencial, o que, numa instituição tão inclusiva quanto ela, não seria exitoso sem um ambicioso plano de inclusão digital, que foi o maior entre todas as universidades brasileiras. Foram distribuídos aos cotistas e estudantes em vulnerabilidade social tablets e pacotes de dados, que permitiram que ninguém ficasse paras trás.

E reconhecendo que a pandemia provoca efeitos díspares entre as várias camadas da sociedade, a UERJ, a partir da criação de uma Pró-reitoria de Políticas e Assistência Estudantis, ampliou suas políticas públicas de permanência estudantil, aumentando as bolsas permanências e as estendendo aos alunos da Pós-graduação stricto sensu e aos estudantes que ingressaram em ampla concorrência, mas que se encontram em vulnerabilidade social.  Além disso, foram criados auxílio-alimentação, auxílio-transporte, auxílio-creche, auxílio-material didático e promovido o fornecimento de absorventes higiênicos.  Para auxiliar a inserção dos seus alunos no mercado de trabalho, a UERJ criou o programa Primeira Chance, que aloca os seus alunos nos órgãos públicos do Estado, por meio de estágios remunerados.

Para professores e técnicos, foi criado o auxílio-tecnológico e foram reajustados os auxílios-alimentação e creche, que estavam congelados há mais de dez anos. Aos professores substitutos, foi conferida maior dignidade ao atribuir a eles uma carga horária contratual de 20 horas, com o padrão remuneratório dos professores auxiliares.  Aos técnicos foram garantidas as progressões previstas em lei e que não vinham sendo cumpridas.  As promoções e progressões de professores e técnicos, que não vinham sendo publicadas em diário oficial, foram destravadas, assim como os concursos públicos, que voltaram a ser realizados nos casos de vacância.Foi efetivada a inclusão da dedicação exclusiva na aposentadoria, conforme previsto em lei, que vinha sendo descumprida.

Temas difíceis também foram enfrentados, como a criação da Procuradoria Geral da UERJ e da Corregedoria-Geral da UERJ, que vêm garantindo, respectivamente, a autonomia jurídica, capaz de viabilizar todas essas medidas, e disciplinar, decorrência da feição administrativa do regime constitucional autônomo.  Também temas tabus, como a fraude as cotas, foram objeto de encaminhamento satisfatório com a criação da Comissão Permanente de Validação da Autodeclaração, após amplos debates com a sociedade civil e a comunidade universitária, que previne a fraude antes do ingresso na Universidade.

Para garantir a excelência acadêmica, foi criado o Programa de Incentivo à Docência na Graduação (PRODOCÊNCIA), com 600 bolsas, por meio do estabelecimento de fomento aos docentes que atuam na graduação e aos alunos bolsistas.

No campo da pesquisa, foi ampliado o Programa de Incentivo à Produção Científica, Técnica e Artística (PROCIÊNCIA), com a criação de 500 novas bolsas, além das então existentes, totalizando 988. Trata-se um programa inovador no âmbito das universidades brasileiras, porquanto incentiva a pesquisa científica, a fixação dos pesquisadores, institucionaliza a avaliação periódica, por meio de mecanismo competitivo de seleção.

No plano da extensão, criaram-se 405 bolsas discentes para atendimento e desenvolvimento dos projetos de extensão, passando a totalizar 900 bolsas extensionistas universitárias, o que representa quase o dobro do número de bolsas de extensão.  Assim, se viabiliza a maior aproximação da UERJ com as comunidades do Estado, a fim de que a academia saia daquilo que alguns caracterizam como “torre de marfim” e aplique os seus saberes à realidade da população.

Como executora de políticas públicas, a UERJ, em parceira com o Governo do Estado, passou a desenvolver vários projetos de interesse da sociedade fluminense, como o Observatório do Segurança Presente, que tem por objetivo criar um espaço crítico permanente dentro da instituição para a articulação das práticas de ensino, pesquisa e produção acadêmica aplicadas às políticas públicas que envolvem a Operação. Dentre os projetos de políticas públicas também merece destaque o Revisa Rio, que apontará inconformidades nas folhas de pagamento do Estado trazendo economia para o nosso Erário. E ainda o Rio Mais Alfabetizado, que visa a aprimorar a Educação Básica, conferindo qualificação acadêmica aos docentes alfabetizadores e coordenadores pedagógicos dos anos iniciais do ensino fundamental.  Hoje várias secretarias e órgãos estaduais mantêm os seus mais importantes projetos por meio de parceira com a UERJ, que se tornou a principal agência de políticas públicas do Rio de Janeiro.

Cumprindo sua missão de estar presente no território do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ retomou o seu processo de expansão e interiorização.  O primeiro desses projetos a ser inaugurado foi o Hospital Universitário Reitor Hesio Cordeiro, em Cabo Frio, com 50 leitos, sendo que 20 de UTI, que incialmente serão destinados ao combate à Covid-19 e aos pacientes com sequelas pós-Covid.  Depois da pandemia será destinado à Faculdade de Ciências Médicas, que terá curso de graduação instalado em 2022, no mesmo município, em unidade que abrigará também os cursos de Ciências Ambientais, e Licenciatura em Geografia, atendendo a antiga demanda de toda a Baixada Litorânea.  Com a criação da Pró-reitoria de Saúde, o projeto apresenta-se como uma inovadora experiência de transformação de hospitais privados em unidades universitárias integralmente destinadas aos SUS, importante alternativa ao descalabro das organizações sociais na área de saúde do Estado.

Outro projeto importante de ocupação do território e ampliação de suas políticas extensionistas é a incorporação da UEZO – Centro Universitário da Zona Oeste, em Campo Grande, que passará a ser um campus da UERJ, naquela importante região da cidade, aproveitando as expertises dos profissionais que hoje lá já trabalham, agregando-a a toda estrutura institucional e orçamentária da UERJ, a fim de levar à Zona Oeste o projeto exitoso de educação pública, gratuita, inclusiva, referenciada socialmente e de excelência.  Em pauta, a mudança de sede da UEZO para um imóvel mais adequado aos novos projetos, também em Campo Grande.

O coração do subúrbio do Rio de Janeiro também entrou no projeto de expansão da UERJ com a chegada da Unidade Vaz Lobo, onde serão desenvolvidos novos cursos de graduação e especialização, além de atividades culturais extensionistas a partir das próprias experiências daquela comunidade.

Ainda em fase inicial, já surge o projeto UERJ-Maricá, que pretende levar a universidade estadual, com seus cursos e projetos para o Município que, embora investindo muitos recursos em educação, ainda é muito carente da presença de universidades públicas em seu território.

As unidades acadêmicas atuais também estão sendo comtempladas pelas novidades, como o CAp- UERJ, que ganhou nova sede mais ampla e mais adequada às necessidades de seus alunos da educação básica, da graduação e da pós-graduação.

Inicia-se também uma fase de investimento em infraestrutura, com obras nas unidades acadêmicas e nos laboratórios, que sofreram bastante com os anos de penúria financeira da Universidade.  Unidades externas ganharão Restaurantes Universitários, a exemplo do Campus Maracanã.  Transporte intercampi aumentará a interação entre os vários polos da Universidade no Estado. Projetos que tinham sido abandonados serão retomados, como a reforma do majestoso prédio da Rua Fonseca Teles, em São Cristóvão, parcialmente destruído por um incêndio anos atrás, o Hospital Miguel Pedro, devolvido pela Prefeitura e prédio histórico da Faculdade de Direito no Catete, restituído pelo Estado, e que se transformará  no Centro Cultural da Democracia, bem como a Casa do Barão do Rio Branco, em Petrópolis, com toda a sua importância histórica e arquitetônica.

Toda essa pequena revolução, em tão pouco tempo e, em um momento tão difícil quanto o da pandemia, só foi possível a partir da articulação com os agentes públicos do Estado, inversão de prioridades orçamentárias e da busca implementada pela UERJ dos recursos a ela devidos constitucionalmente, de acordo com o índice da educação, e que não vinham sendo repassados. Soma a isso a aposta nos investimentos para o crescimento institucional.

Neste momento em que setores radicalizados da sociedade promovem uma guerra cultural contra as universidades públicas, chegando a ter quem propusesse a extinção da UERJ, ela se apresenta, mais forte, relevante e includente como nunca, contribuindo para o resguardo do regime democrático, promovendo o pluralismo e levando a sério a permanência estudantil, constituindo-se, no seu aniversário de 70 anos, no principal projeto de inclusão social do Estado e a sua principal agência de políticas públicas, para continuar por muito tempo mudando a vida das pessoas.

Atualmente, o lema UERJ RESITE ganhou outro significado.  A Universidade venceu os seus inimigos e hoje se apresenta como principal foco de resistência aos modelos privatistas e obscurantistas que querem acabar com o ensino público, gratuito, referenciado socialmente, inclusivo e de excelência, projeto que as universidades públicas representam no Brasil.  Se depender da garra da comunidade da UERJ, perderão de novo!

*Ricardo Lodi é reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.