O difícil golpe dos sonhos de Bolsonaro – Por Yuri Soares Franco

Mesmo que Bolsonaro tenha o apoio de ideólogos de extrema direita, de importantes lideranças evangélicas, de setores das Forças Armadas e polícias para dar um golpe e instalar uma ditadura, isto não parece ser suficiente.

Foto: Presidência da República.
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Por Yuri Soares Franco *

Mais uma vez um Bolsonaro acuado ameaça com o fechamento do regime. Pressionado pelo agravamento da pandemia, aprofundamento da crise econômica e perda de popularidade, o presidente sonha e se movimenta na tentativa de dar um golpe de Estado, nos moldes do autogolpe de Alberto Fujimori no Peru, em 1992.

Esse parece ser o desejo de Bolsonaro e de importantes apoiadores, como o pastor Silas Malafaia e o ideólogo Olavo de Carvalho, que pedem ao presidente que convoque as Forças Armadas para “estabelecer lei e ordem” e “extinguir os partidos políticos”.

Por mais que tenhamos que nos preocupar e denunciar essa escalada golpista, se observarmos a conjuntura realizando uma análise do ponto de vista materialista e um comparativo histórico com a ditadura que se instalou em 1964 e os golpes contemporâneos em outros países, veremos que não é tão simples dar um golpe de Estado. Mais difícil ainda é mantê-lo.

Em 1964, durante a Guerra Fria, os militares deram um golpe com o apoio das elites econômicas nacionais, dos grandes veículos de mídia, de boa parte das elites políticas estaduais (especialmente dos governadores de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e do governo dos Estados Unidos da América. A isso somou-se o apoio de setores religiosos que ocuparam as ruas do país com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

Ao longo do tempo a corrosão destas bases de apoio por diversos motivos minou a sustentação da Ditadura Militar. Os militares alijaram do poder boa parte das elites políticas civis, perderam o apoio incondicional do governo dos EUA durante o mandato Carter, viram uma erosão do apoio entre os setores médios empobrecidos e passaram a sofrer questionamentos crescentes oriundos da Igreja Católica.

Em 2019, na Bolívia, vimos um golpe com a participação das elites, das Forças Armadas e da polícia, assim como de milicianos e setores evangélicos. Golpe prontamente reconhecido como legítimo por Donald Trump e Bolsonaro. A direita boliviana conseguiu tomar o poder com a Bíblia nas mãos, mas não conseguiu mantê-lo. Após diversos casos de repressão e de tentativas de cancelamento ou adiamento das eleições, o povo resistiu nas ruas e nas eleições de 2020 recolocaram o Movimento ao Socialismo no governo e os golpistas na cadeia.

Mesmo que Bolsonaro tenha o apoio de ideólogos de extrema direita, de importantes lideranças evangélicas, de setores das Forças Armadas e polícias para dar um golpe e instalar uma ditadura, isto não parece ser suficiente no Brasil de 2021.

  • A maior parte da população é contra.
  • A maior parte da grande mídia seria contra uma ação deste tipo. Mesmo que não tenha mais a força de antes, ela segue relevante.
  • O governo Biden seria contra.
  • As novas mídias são relevantes, e a extrema direita tem muita força nelas com o Gabinete do Ódio. Mas não seriam suficientes para sustentar uma ação deste tipo sem o apoio do Departamento de Estado dos EUA, já que a maioria destas empresas são estadunidenses.
  • Governos da América Latina, Europa, África e Ásia seriam contrários. Este golpe contaria com o reconhecimento de quem? Da Hungria, Ucrânia e Polônia?
  • Poucos governadores apoiariam, especialmente dos estados com as maiores economias e populações. Na última reunião com governadores, Bolsonaro conseguiu reunir apenas sete (o que não significa que estes apoiariam um golpe).
  • As manifestações bolsonaristas, ainda que possuam um número não desprezível de participantes, não chegam nem perto daquelas de 1964, nem de 2015/2016.
  • A elite econômica nacional, a burguesia, está dividida e não parece animada em seguir por este rumo.
  • Os altos oficiais das Forças Armadas não parecem unidos para tal ação. Não por republicanismo, ou defesa da democracia, mas provavelmente por puro cálculo político. Não entrariam em tal “aventura” sem a certeza de apoios mais amplos e sólidos e a certeza de uma vitória de longo prazo.

Sobre as elites econômicas, podemos perceber que a maioria se encontra calada. Bolsonaro executa boa parte de sua agenda com a retirada de direitos dos trabalhadores. Uma parte segue apoiando o presidente, e é provável que siga apoiando até mesmo nas eleições de 2022. Mas não a ponto de apoiar um golpe. Outra parte minoritária composta de setores barulhentos, como o dono da Havan, ou do Madero, não chegam a configurar lideranças da classe dominante.

É uma conta de difícil equação fazer um golpe com a participação de militares de baixa patente, policiais, milicianos e pastores evangélicos, mas sem contar com unidade nas Forças Armadas, na classe dominante, contra a opinião da maioria do povo brasileiro, da opinião pública internacional, da mídia, de vários setores organizados da sociedade e das elites políticas, sem respaldo no exterior. Pode até dar certo num curtíssimo espaço de tempo, mas os golpistas correriam o risco de, em pouco tempo, irem parar na cadeia, assim como ocorreu na Bolívia.

Mesmo a profundidade do apoio das polícias estaduais permanece uma incógnita. As duas últimas grandes tentativas de sublevação bolsonarista de forças policiais contra os governos estaduais não tiveram êxito. O motim do Ceará de 2020 não conseguiu dobrar o governador. Em 28 de março de 2021, após o ataque do Farol da Barra em Salvador, as redes bolsonaristas tentaram converter o fato num amplo motim dos policiais do estado, mas não obtiveram sucesso. Entre votar em Bolsonaro e se dispor a colocar a vida em risco num golpe paramilitar há uma grande distância.

A reforma ministerial feita por Bolsonaro é o maior exemplo de seu isolamento político. Caso tivesse força suficiente para executar um golpe ele não necessitaria abrir mão de Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores que representava a ala dos seguidores de Olavo de Carvalho. Setor este que se encontra bastante descontente com esse afastamento, vide posicionamentos críticos nas redes sociais.

Tampouco seria necessário mudar o Ministério da Defesa e o comando das três Forças Armadas. Teorias da conspiração à parte, se Bolsonaro tivesse o efetivo comando e obediência cega dos antigos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, ele não precisaria substituí-los. E somente uma substituição não irá resolver seu problema, já que os militares não costumam agir se sentirem que são minoria dentro da caserna. Não basta ter o comando das forças, seria preciso ter maioria no alto comando.

A nomeação de Flávia Arruda como ministra da Secretaria de Governo é um movimento de composição com o chamado “centrão”. Bolsonaro não precisaria comprar esse setor do Congresso se tivesse força suficiente para simplesmente fechá-lo.

Não são movimentações contraditórias. Bolsonaro busca ao mesmo tempo garantir sustentabilidade parlamentar e manter animada sua base ideológica mais extremista, que efetivamente perde espaço no primeiro escalão com a saída de Araújo. Ele precisa manter esse setor ativo nas ruas e nas redes. É provável que siga nesta estratégia e que tente inflamar cada vez mais o extremismo golpista de suas bases. Pode não conseguir consolidar um golpe, mas é suficiente para enfraquecer a democracia e colocar fogo no país.

Não é momento de abaixar a guarda e ficarmos tranquilos com as dificuldades e divisões entre o governo e as elites. É preciso avançar na denúncia deste governo genocida, na organização da oposição de esquerda e no diálogo com o povo sobre alternativas de saída popular deste cenário caótico.

*Yuri Soares Franco é mestre em História pela Universidade de Brasília (UnB).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.