Teremos robôs entre nós? Poderemos decidir sobre seu funcionamento? – Por Deivi Kuhn

Quando pensamos no futuro, imaginamos robôs fazendo parte do nosso dia a dia, realizando desde tarefas repetitivas até coisas complexas. Mas eles já chegaram e têm um padrão de funcionamento que pode trazer terríveis resultados

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Escrito en DEBATES el

Por Deivi Lopes Kuhn *

Conforme descrito na Wikipedia, o robô é um computador programável capaz de realizar atividades complexas automaticamente. Eles podem ser controlados remotamente ou de maneira autônoma. Podem ser semelhantes à forma humana, mas a maioria dessas máquinas são projetadas unicamente para as tarefas que realizam, independente do seu aspecto[1].

Acho interessante essa tendência da nossa espécie de imaginar que toda a vida com inteligência superior, divindades e energias da natureza possuam também nossa forma física. Será uma tentativa de humanizar o que não se consegue explicar?

Robôs fizeram parte da minha vida desde a infância e é impossível falar deles sem lembrar do meu pai, Odone Kuhn. Ele possuía vários livros do Isaac Asimov. Eu adorava escutar repetidamente o seu conto preferido, “The last question”, realmente genial. Li quase todos os livros do autor ainda muito novo.

Asimov previu, ainda em 1984 que, em 2019, os robôs fariam parte da nossa vida. Ele acertou. Boa parte da população utiliza dispositivos que se enquadram na descrição. Celulares, computadores, videogames e mesmo dispositivos inteligentes acionados por voz (ou outros tipos de comando) possuem as características de um robô. Porém, mesmo o autor das famosas leis da robótica[2] não poderia imaginar a total falta de autonomia a que fomos submetidos.

Os robôs de nossa época são controlados remotamente por um pequeno número de corporações, que podem mudar seu funcionamento sem nosso conhecimento. E, para tornar o quadro ainda mais preocupante, o uso de Inteligência Artificial está se intensificando, sem qualquer regulação ou controle. Eu, assim como muitos que estão compreendendo as perigosas consequências desse modelo, nos sentimos presos, pois estamos completamente dependentes.

Essas grandes empresas iniciaram transformando nossos telefones em um dispositivo que coleta toda e qualquer informação, com a intenção de nos convencer a comprar os produtos dos seus anunciantes. Devassam nossa privacidade a ponto de nos conhecer melhor que nós mesmos.

Como elas possuem o controle exclusivo desses novos robôs e podem realizar qualquer alteração, tanto mudando uma configuração remotamente como adicionando softwares em uma atualização. Elas estão utilizando esse poder sem limites, sabendo que somos obrigados a aceitar qualquer atualização de segurança que recebemos nos nossos dispositivos.

Indo além do razoável, as corporações transformaram nossos equipamentos em, conforme nossa linguagem, Botnets (roBOT + interNET). Várias funcionalidades foram incluídas, entre elas a capacidade de espionar também nossos vizinhos e amigos. Sem o nosso conhecimento, o robô que nos acompanha, obedecendo seu mestre, passou a monitorar todas as redes wifi que estão ao nosso redor, enviando os dados necessários para determinar a localização exata de cada ponto de acesso. Agora elas também estão usando bluetooth para mapear outros equipamentos, principalmente celulares, com o mesmo objetivo.

Com esses dados, mesmo se desligarmos a função de geolocalização (GPS), seremos identificados e localizados ou pela rede dos nossos vizinhos ou por qualquer pessoa que alcance os sinais emitidos por nosso celular. Os robôs que carregamos foram transformados em escravos da estratégia comercial dos seus verdadeiros mestres. São o mais eficiente meio de espionagem, mapeando tudo que acontece ao nosso redor, mesmo sem qualquer relação com o atual usuário.

Nós da comunidade de Software Livre[3] sempre alertamos para os riscos que o software fechado traria para a humanidade. Sem saber o que está sendo executado nos nossos dispositivos, estamos submetidos a boa vontade dessas grandes corporações, que há anos agem para impedir que os usuários dos seus robôs (eles são os proprietários?) tenham a possibilidade de mudar os softwares para se protegerem.

Muito antes do que pensamos, vamos ter que discutir o funcionamento e a ética desse novo mundo. Como saber/prever o comportamento desses dispositivos se não conhecemos o código dos seus programas? Vamos continuar pagando por equipamentos controlados remotamente por corporações para nos espionar? Vamos permitir que todo esse poder fique nas mãos de algumas poucas grandes empresas?

Nem Asimov, com sua visão positiva de futuro, poderia imaginar o caminho de submissão que estamos tomando. Os robôs estão se espalhando e, ao invés de automatizar e facilitar nossa vida, são ferramentas que estudam nosso comportamento, antecipam nossas decisões, filtram as informações que buscamos acessar e agora espionam nosso entorno. O que será das nossas crianças, que ainda estão formando sua concepção de mundo, sob controle dessas tecnologias invasivas à serviço das grandes corporações?

Para que possamos ter real controle sobre esses robôs, precisamos mudar tanto nossa legislação quanto buscarmos o consumo consciente de tecnologias abertas. Me pergunto o que Asimov pensaria desse nosso momento. Quem sabe ele não ampliaria suas famosas leis da robótica, mantendo as antigas, pois 2020 além de marcado pela pandemia, também poderá ser lembrado como o do primeiro assassinato realizado por um drone autônomo[4]:

As leis originais eram:

1. O robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal;

2. O robô deve obedecer às ordens que lhe sejam determinadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei,

3. O robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis;

Hoje deveríamos acrescentar:

4. O robô deve ter o seu funcionamento e comportamento conhecido, utilizando programas em Software Livre;

5. O robô deve permitir a substituição dos seus softwares;

6. O robô só será controlado remotamente conforme os regulamentos definidos e de forma pública. O uso de inteligência artificial deverá ser detalhado e conhecido pela sociedade.


Inspirado por um vídeo do Rob Braxman que pode ser acessado em: https://odysee.com/@RobBraxmanTech:6/location2021:3

*Deivi Kuhn é analista de sistemas, ativista por um mundo com conhecimento e tecnologias livres e compartilhadas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1]      https://en.wikipedia.org/wiki/Robot

[2]      https://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_da_Rob%C3%B3tica

[3]      https://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt-br.html

[4]      https://www.newscientist.com/article/2278852-drones-may-have-attacked-humans-fully-autonomously-for-the-first-time/