Violência policial, racismo estrutural e o mau exemplo que vem de cima – Por Mário Maurici

O governo de Jair Bolsonaro, com sua exaltação canhestra à militarização da sociedade, acaba, de certa forma, por incentivar um clima de violência ainda maior no país

Foto: Agência de Notícias das Favelas
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Recentemente, três jovens de Caieiras, na região metropolitana de São Paulo, foram vítimas de violência policial durante uma abordagem da Polícia Militar. Trabalhadores, os jovens sofreram agressões físicas e ofensas racistas, sendo que um deles chega a levar um soco de um policial e cai desacordado. O lamentável episódio está longe de ser um caso isolado, mas ao viralizar nas redes sociais escancarou uma das características do racismo estrutural de nossa sociedade.

A população da periferia, em sua maioria negra e pobre, é a principal vítima da violência policial. Os dados apontam que 79,1% das vítimas de intervenções policiais são de pessoas negras, sendo que 74,3% são jovens de até 29 anos. Como são Higor, Caio e Thiago, os garotos de Caieiras. São percentuais verificados sobre uma base de cálculo que não é pequena. No Brasil, foram registrados no ano passado 35.865 casos de abusos ou violência, com pessoas cujos rendimentos estavam entre 1 e 15 salários mínimos. Só que, deste total, 32.126 casos eram daqueles que vivem na faixa entre um e três salários mínimos. Entre janeiro e abril deste ano, já foram registrados 386 episódios envolvendo policiais militares e outros 106 com policiais civis.

O quadro é tão grave que a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns mandou carta aberta aos governadores exigindo providências contra a truculência e arbitrariedades por parte das forças de segurança dos estados. Diz o documento: “Esta carta clama pela apuração rigorosa das chacinas, das execuções extrajudiciais, do emprego desproporcional da força em ações de despejo ou reprimindo protestos sociais. Sempre muito graves, esses delitos praticados por agentes públicos ultrapassam todos os limites na agressividade seletiva contra a população negra”.

A Comissão Arns acentua também que a situação é um retrocesso em termos de direitos humanos e não deixa de destacar a infeliz postura do atual governo federal. A situação lembra a histórica frase de Pedro Aleixo: “O problema é o guarda da esquina”. A fala do então vice-presidente civil do general Costa e Silva marcou a decretação do famigerado AI-5, quando a ditadura militar endureceu ainda mais o regime, em 1968. A metáfora de Aleixo era sobre a perspectiva de os policiais do baixo escalão sentirem-se “autorizados” a cometer abusos. O que, aliás, aconteceu como registra a história.

O governo de Jair Bolsonaro, com sua exaltação canhestra à militarização da sociedade, acaba, de certa forma, por incentivar um clima de violência ainda maior no país. Como ressalta a Comissão Arns, “repetem-se episódios em que a barbárie se instala. Muitas vezes estimulada por aquela pessoa que ainda ocupa o Palácio do Planalto. Pessoa que nunca desiste de incentivar o ódio, desrespeitar jornalistas e opositores, convocar os cidadãos a se armarem, proteger crimes de garimpeiros e desmatadores em terras indígenas. Enfim, não se cansa de abominar todos os avanços democráticos e civilizatórios que o Brasil e a humanidade trilharam a duríssimas penas.”

Provavelmente é bem mais que coincidência que a maior chacina da história, a da favela do Jacarezinho, tenha acontecido sob o governo Bolsonaro. E no Estado que é seu berço político. No morro do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, a polícia civil matou 27 pessoas, sendo constatado nos laudos necroscópicos que quatro foram executados pelas costas. Outros à queima-roupa, caracterizando execução.  No litoral paulista, em Praia Grande, o Coletivo Esquerdista Feminista de Praia Grande (EFPG) promoveu um ato contra a absolvição de policiais militares acusados do crime de estupro. 

Há pouco assistimos ao episódio envolvendo a perseguição e morte de Lázaro Barbosa no centro-oeste. Sem entrar nos inúmeros erros da operação, houve várias denúncias da ação truculenta e agressiva da polícia após alguns veículos de imprensa relacionarem, a partir das fontes policiais, o fugitivo a certas práticas religiosas. Conforme os relatos, policiais da força-tarefa quebraram objetos sagrados e danificaram o patrimônio de terreiros.

Em tempo, o caso dos três jovens de Caieiras foi levado por nós ao ouvidor da polícia de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, que prontamente abriu uma investigação. O policial agressor deve ser punido e precisamos fomentar ações educativas na corporação para acabar com a cultura da truculência e do racismo. O episódio demonstra que devemos lutar cada vez mais pelos direitos da população socialmente vulnerável. Assim, é preciso fazer, com urgência, uma discussão mais profunda sobre o tema da segurança pública, principalmente abordando as questões da desmilitarização das polícias e mesmo da municipalização das forças de segurança.

*Mário Maurici é deputado estadual pelo PT-SP, foi vice-presidente da EBC, vereador, prefeito de Franco da Rocha, presidente da Ceagesp e secretário de governo e de comunicação de Santo André.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.