Chapa Lula/Alckmin: as vias da direita e a esquerda na contramão, por Daniel Kenzo

Um neoliberal raiz como Alckmin na chapa presidencial da esquerda é uma cangalha em Lula, um freio do grande capital às suas propostas mais radicais e transformadoras

Alckmin e Lula em seu primeiro encontro oficial, no jantar do grupo Prerrogativas. Foto: Ricardo Stuckert
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Por Daniel Kenzo*

Desde que o ex-presidente Lula recuperou seus direitos políticos, após as anulações das sentenças do ex-juiz Sérgio Moro pelo STF, por sua comprovada parcialidade, tornando-se o nome mais forte para derrotar Bolsonaro nas eleições de 2022, a mídia burguesa tenta em vão emplacar a pauta sobre a ‘terceira via’: um candidato da direita dita democrática para representar os eleitores que supostamente não querem nem um, nem outro.

Todos sabem, ou deveriam saber, que essa história de três vias, da maneira como é apresentada à ‘opinião pública’, não passa de um artifício de propaganda eleitoral antecipada e desesperada, para viabilizar um candidato que represente os interesses do grande capital. Ao Brasil real, só há dois caminhos possíveis colocados no horizonte eleitoral: o neoliberalismo (com suas nuances mais ou menos autoritárias, mas igualmente catastróficas para o grosso da população) ou a retomada da construção de um estado de bem estar social. Após o ajuste de 2015, o golpe de 2016 e a prisão de Lula, todos também deveriam saber que esses dois caminhos, embora tenham se cruzado nas últimas décadas, após a crise mundial em 2008, tornaram-se opostos e irreconciliáveis.

No entanto, o debate forçado pela mídia burguesa sobre as ‘vias’ eleitorais pode servir para desvelarmos o modus operandi do grande capital nas eleições, para sair vencedor em qualquer cenário, seja qual for o resultado. Vejamos.

As duas vias eleitorais preferenciais do grande capital são Bolsonaro e o candidato que eles ainda procuram (Moro parece ser o nome que vai se consolidando) e chamam de ‘terceira via’. Não podemos nos iludir com a oposição a Bolsonaro feita pela direita dita democrática. Os que hoje se mostram indignados apoiaram o então candidato da extrema direita e fizeram vistas grossas a todas as barbaridades de sua campanha eleitoral em 2018. Se há algo que não podemos imputar a Bolsonaro é ter fingido ser outra pessoa. Estava tudo lá: ataque ao meio-ambiente, misoginia, racismo, LGBTfobia, apologia à tortura, autoritarismo, milícias, rachadinhas, etc. Mas também estava no pacote a continuidade das reformas neoliberais iniciadas no governo tampão de Michel Temer, após o golpe de 2016. Por isso, mesmo depois de tanta atrocidade cometida por Bolsonaro, a direita dita democrática continuou apoiando seu governo e garantiu que os pedidos de impeachment não tivessem prosseguimento no Congresso. Era preciso garantir que o plano de governo neoliberal continuasse sendo executado.

A incompetência e o negacionismo de Bolsonaro no enfrentamento à pandemia, a ausência de empatia do governo com as famílias atingidas pela covid, a carestia, o aumento da miséria e da fome no país, fizeram com que sua reeleição passasse a ser ameaçada, especialmente após Lula ter recuperado seus direitos políticos. É nesse cenário que o grande capital tenta apresentar a alternativa da 'terceira via', que na verdade é sua segunda via. Porém, os candidatos que têm se apresentado para cumprir essa função não parecem oferecer perspectivas de sucesso eleitoral, como vêm demonstrando as pesquisas.

Chegamos, assim, à ‘terceira via’ de fato. Se não conseguir emplacar a reeleição de Bolsonaro ou a eleição do candidato da direita dita democrática, o grande capital precisa garantir que o neoliberalismo continue ditando as regras da política econômica nacional. Este é o significado de termos um neoliberal raiz como Alckmin na chapa presidencial da esquerda. Uma cangalha em Lula, um freio do grande capital às suas propostas mais radicais e transformadoras, em um cada vez mais provável novo governo do Partido dos Trabalhadores. Se nos governos anteriores ao golpe de 2016 foi possível conviver com o neoliberalismo e, ainda assim, fazer a maior e mais bem sucedida política de inclusão social da nossa história, não é esse o cenário que se configura para 2023 – e Lula parece saber disso ao dizer que só tem sentido ser candidato novamente se for para fazer mais do que já fez.

Se para o grande capital apresentam-se essas três alternativas eleitorais para continuar garantindo a drenagem de nossas riquezas para a minoria de bilionários que exploram nossa nação e nosso povo, para a esquerda só há um caminho a seguir: abandonar a ortodoxia neoliberal, fortalecer o Estado, ativar a economia através de investimentos públicos e retomar a construção inacabada do estado de bem estar social no Brasil. Seguir o exemplo das economias capitalistas para superar as crises econômica, social, ambiental, cultural e sanitária, agravadas com o advento da pandemia. Não é preciso exigir uma plataforma comunista. Joe Biden pode ser um exemplo na política econômica interna que põe em prática nos EUA. O mundo capitalista está abandonando a ortodoxia neoliberal. A esquerda brasileira não pode ficar na contramão desse movimento. Para isso, se quisermos realmente um governo de reconstrução nacional, é preciso abandonar as cangalhas e freios neoliberais que o grande capital quer manter no próximo governo popular.

*Presidente do Diretório Zonal do PT Butantã e Coordenador do Setorial Comunitário do PT-SP

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