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A morte da direita “civilizada”, por Letícia Montandon

Foram eleitos em outubro de 2022 mais representantes das bancadas da bala e da Bíblia; e havia a possibilidade de se formar uma bancada progressista da educação

Todos pela Democracia.Créditos: George Marques/Twitter
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Por Letícia Montandon*

As eleições de 2 de outubro consolidaram um processo que se iniciou com as eleições de 2018, e que mudou completamente o perfil político brasileiro. Se do lado da esquerda sempre esteve o Partido dos Trabalhadores (PT), com alterações mais à esquerda do espectro político ideológico, o perfil da direita brasileira se alterou consideravelmente. Para pior. Isso não é bom para a esquerda, mas muito menos para a direita.

Engana-se quem percebe as Casas Legislativas como meramente fisiológicas, resultantes do poder obtido com o Orçamento Secreto. O Congresso formado no dia 2 de outubro, que assume em fevereiro de 2023, tem perfil ideologicamente muito mais conservador do que os já conhecidos deputados do centrão, que sempre orbitam em torno do governo, qualquer que seja este.

Perigo para o Judiciário e para o Estado Democrático de Direito

Há que se comemorar a eleição de mulheres e pessoas negras para o Congresso, é fato. A questão aqui está longe de ser identitária: estamos falando do futuro do Estado Brasileiro, do futuro de uma nação inteira.

Foram eleitos em outubro de 2022 mais representantes das bancadas da bala e da Bíblia (e havia a possibilidade de se formar uma bancada progressista da educação, por exemplo) na Câmara e, no Senado, uma preocupante maioria que, a depender do próximo presidente da República a ser eleito no dia 30, terá votos suficientes para efetuar alterações consistentes no Supremo Tribunal Federal – seja aumentando o número de ministros que compõem o Tribunal, seja promovendo o impeachment de ministros que não agradem ao atual presidente.

Isso é perigosíssimo, pois altera a harmonia e a equidade dos Poderes da República – algo que, diga-se, começou em 2016, quando o Judiciário se aliou ao Legislativo contra o Executivo em prol do impeachment de Dilma Rousseff, um ato de desequilíbrio harmônico cujo preço o país ainda paga e continuará a pagar por muito tempo.

Em 2023, poderemos assistir à união dos Poderes Executivo e Legislativo contra o Judiciário, e esse novo desequilíbrio harmônico pode custar ao país o Estado Democrático de Direito.

Até então, diversos analistas e acadêmicos apontavam que, ao contrário de outros países que elegeram a extrema direita que promovia a morte da democracia tal qual descrita no livro Como as Democracias Morrem, de Levitsky e Ziblat, a Suprema Corte brasileira segurou e conteve os arroubos autocráticos de Jair Bolsonaro. Essa resistência não ocorreu em países como a Hungria ou Turquia, por exemplo. E, em 2023, essa resistência poderá finalmente ser vencida, de forma institucional (e, por que não dizer, constitucional; mas não moral).

A resistência do Judiciário ocorreu, de 2020 para cá, em forma de inquéritos que contiveram ataques contra o Supremo Tribunal Federal, os ataques à democracia brasileira, os atos antidemocráticos e o gabinete do ódio promovendo fake news e destruições de reputações de ministros da Suprema Corte. Essa resistência está com os dias contados, a depender do próximo presidente da República eleito.

Direita, volver!

Até as eleições de 2018, representantes da direita e do liberalismo que eram eleitos não tinham como principal foco a ameaça à Constituição, não representavam ameaça direta à democracia, por mais contraditório que isso possa soar.

A direita brasileira, tal qual a conhecíamos até 2018, não existe mais, pelo menos substancialmente dentro do Congresso Nacional. Em seu lugar, ascenderam líderes toscos, completamente avessos à democracia.

São pessoas que não aceitam o outro, o diferente, não buscam acordos e consensos. Promovem o dissenso, a cizânia. Entre o dinheiro das exportações que irriga a balança comercial e a pirraça infantil de não negociar com determinados países porque estes são “comunistas”, ficam com a infantilidade.

E nessa esteira, transformam o país em pária mundial lá fora, e cá dentro, em nome de um deus que só convém a eles. Avançam em pautas da Idade Média, como proibição total do aborto (inclusive em casos garantidos em lei, como anencefalia do feto ou estupro) e cerceamento à liberdade de cátedra. Transformam a escola num quartel e o(a) professor(a) em inimigo(a) a ser combatido(a). Desrespeitam a pluralidade de pensamento, a diversidade de gênero, a laicidade do estado. Atacam a ciência. É a treva.

Extrema direita: ascensão mundial

Se os institutos de pesquisas eleitorais falharam metodologicamente em diagnosticar o perfil do eleitorado brasileiro, a imprensa comercial falhou ainda mais em não identificar – ou não querer identificar – a ascensão de uma perigosa e extrema direita, tal qual vem acontecendo em todo o mundo – Europa à frente.

A imprensa comercial falhou fragorosamente ao não conseguir nomear Jair Bolsonaro e sua turma como o que eles são: líderes de extrema direita. Uma direita radical, histriônica, barulhenta e destruidora. Uma direita autocrática, que corrói instituições democráticas e constitucionais e busca se perpetuar no poder.

Todos esses políticos se elegeram a partir do medo. Convenceram o eleitorado de um perigo invisível e inatingível. Trabalharam os sentimentos das pessoas e desestimularam o raciocínio e o debate de ideias.

Esse processo tem um nome, e já foi identificado pela História: é o Fascismo. Nenhum líder fascista (ou nazista) chegou ao poder via golpe. Todos foram eleitos pelo voto popular.

E o Lula, hein?

Chegamos à segunda grande falha fragorosa da imprensa tradicional brasileira: não assumir (propositalmente) Luiz Inácio Lula da Silva como a única pessoa capaz de conter a ascensão e o avanço da extrema direita no mundo. Não, isso não é avaliação enviesada de sindicalista da CUT. Quem reconhece esse papel de Lula é Steve Bannon, o arquiteto da ascensão da direita radical mundial.

Quem também reconhece esse papel de Lula no cenário mundial é a esquerda europeia. A viagem do presidenciável petista à Europa em novembro de 2021 tem muito a ver com a ascensão da direita. Para além de participar de debates do cenário atual da América Latina e do mundo, Lula se encontrou com líderes progressistas do Velho Continente em grandes eventos, que deram dois importantes recados: ao Brasil, que o custo de um golpe para derrubar mais uma vez a esquerda do poder ficou muito elevado. À extrema direita europeia, que o maior líder da esquerda de todos os tempos está do lado da esquerda europeia.

Lula é, sem exageros, comparável a líderes de todos os países do mundo, e de todos os tempos. E seu papel de conter os avanços da extrema direita é inegável e importantíssimo.

E o PT, hein?

Voltando ao Brasil, é importante percebermos o PT como partido ideologica e politicamente consistente. Desde sua fundação, o Partido dos Trabalhadores soube reunir importantes atores sociais (sindicatos, comunidades eclesiais de base e acadêmicos de esquerda). Sempre honrou suas origens, por mais que alguns setores queiram provar o contrário. Mesmo nos momentos mais difíceis e politicamente desfavoráveis para a esquerda, chegou ao segundo turno de todas as eleições presidenciais (que se resolveram em dois turnos) desde a promulgação da Constituição de 1988. Ao contrário de um dos seus principais adversários nos últimos 30 anos, o PSDB.

Se em 2018 os tucanos ficaram fora de uma eleição presidencial pela primeira vez desde 1994, em 2022 o PSDB abriu mão de uma candidatura presidencial pela primeira vez desde a redemocratização. O apequenamento do tradicional adversário do PT começou em 2014, quando Aécio Neves se recusou a reconhecer a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, questionou a confiabilidade das urnas eletrônicas e promoveu, junto com Eduardo Cunha, o impeachment de uma presidenta que recentemente teve sua inocência reconhecida e referendada pela Justiça.

De lá pra cá, foi ladeira abaixo até chegarmos a Rodrigo Garcia, o único candidato tucano a não se reeleger governador de São Paulo desde a década de 1990, apoiando “incondicionalmente” a extrema direita de Jair Bolsonaro e Tarcísio “não sei onde eu voto” de Freitas. A deusa grega Nêmesis, da Lei do Retorno, sobrevoa o ninho tucano desde 2014.

O PSDB acabou. A direita “civilizada” brasileira deu seu último suspiro esta semana. E isso não é bom. Isso é péssimo. Para a política brasileira, para o PT, para a esquerda e para a direita. Em seu lugar, instalou-se a barbárie.

E esta é a terceira falha fragorosa da imprensa comercial brasileira: não entender e perceber que o Partido dos Trabalhadores é o único firewall capaz de fazer frente à força da extrema direita no Brasil e a todos os retrocessos que ela traz. Entender que, por conta disso, é importante que todos os setores da sociedade minimamente preocupados com a civilização e a democracia precisam se unir em torno do PT, a despeito de suas convicções ideológicas ou partidárias. A escolha está longe de ser “muito difícil”. É, mais uma vez e acima de tudo, a civilização contra a barbárie.

*Letícia Montandon é professora da rede pública de ensino do DF e coordenadora da Secretaria de Imprensa do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF)