Por uma base política progressista norteada pelos direitos humanos – Por João Batista Moreira Pinto

Alguns poderão ter receio da utilização dos direitos humanos como base para um projeto político, pensando na possível utilização pela direita e extrema direita

João Batista Moreira Pinto (Arquivo pessoal)
Escrito en DEBATES el

Por João Batista Moreira Pinto *

No momento em que se discute uma articulação política que possa viabilizar melhor governabilidade, coloca-se o problema do programa de base para essa construção.

Setores da esquerda colocam-se contra uma articulação com o centro, provavelmente identificando a possibilidade de um governo popular “mais à esquerda” que nos precedentes.

Recentemente, em artigo de Mauro Lopes, denominou-se “paradoxo” a indicação de um “programa de esquerda como base para um amplo arco de alianças”.[1] Entretanto, defendo que o que se começa a construir no Brasil com os movimentos políticos de Lula é a construção de uma base política alicerçada nos direitos humanos.

Alguns poderão ter receio da utilização dos direitos humanos como base para um projeto político, pensando na possível utilização pela direita e extrema direita de compreensões deturpadas e equivocadas sobre esse tema. Outros podem dizer que os direitos humanos seriam uma construção que atende aos interesses da burguesia, sem uma perspectiva revolucionária, a ponto de já estarem incluídos no ordenamento jurídico, inclusive brasileiro.

Permitam-me, entretanto, destacar algumas vantagens significativas de se tomar os direitos humanos como base ou projeto para uma articulação política mais ampla.

Sob a perspectiva de cálculos políticos, o percentual daqueles que se posicionam contra os direitos humanos, na disputa em torno da compreensão destes, é próximo daquele dos que se mantêm alinhados a Bolsonaro; aliás, um governo que desde o início gostaria de poder atuar ainda mais contra esses direitos, não fosse a mobilização da sociedade em defesa desses e do desgaste ainda maior, em âmbito internacional, que tal posição extrema poderia causar - por isso a manutenção, por exemplo, dos programas de proteção.

Observo que, quando o PT lança o debate em torno da revisão do teto de gastos e da reforma trabalhista, não está fazendo nada mais que apontando alguns caminhos para se resgatar o processo de avanços com relação a direitos sociais que foram fragilizados após o golpe de 2016, como o direito à educação, à saúde e os direitos trabalhistas.

Ora, hoje, além da defesa dos direitos econômicos, sociais, culturais e socioambientais, a esquerda não tem como se esquivar da defesa também dos direitos que retratam as liberdades civis e políticas. Aliás, Nelson Coutinho já apontava a articulação necessária entre socialismo e democracia, assim como entre democracia e socialismo.

Essa mesma articulação pode ser observada quando se fala na indivisibilidade e interdependência entre todos os direitos humanos. Isto é, não existe democracia sem direitos sociais e essa articulação precisa ser incluída e assumida no planejamento político de um governo progressista que pretenda estabelecer um padrão político de maior aceitabilidade social, o que significa também - considerando a trajetória brasileira - que não se limite ao campo da esquerda e que seja compartilhado pela grande maioria dos atores sociais e da população que, sabendo da importância de direitos como a alimentação, o trabalho, a moradia, além de tantos outros como a educação e a saúde de qualidade, o direito ao meio ambiente, à vida e à dignidade humana, não terão dúvidas em defendê-los.

Esse apoio não deverá limitar-se à campanha eleitoral de 2022 e para o próximo governo, visto que a ampliação da observância e implementação desses direitos, para todas e todos, exige tempo e o compromisso de alguns governos e instituições, e portanto, do Estado, para que se possa garantir o acesso progressivo ao conjunto dos direitos humanos, conforme estabelecido em planejamentos estratégicos e planos nacionais de médio e longo prazos, e com a participação da sociedade; instrumentos que deverão ser avaliados e atualizados periodicamente, com novas estratégias, ações e atividades, sempre com o objetivo de alcançar as metas estabelecidas no menor prazo possível.

Além disso, a adoção do projeto político dos direitos humanos, como base norteadora para uma aliança progressista ampla será um antídoto natural contra possíveis novas investidas conservadoras e da extrema direita, pois a percepção da população sobre o aprimoramento progressivo no acesso a todos os seus direitos levará ao apoio político a uma sociedade cada vez mais igualitária, menos desigual e com maior justiça social.

Assim, a utopia política do acesso a todos os direitos por todas e todos é algo que vai se construindo no espaço e no tempo políticos, mesmo com os conflitos e obstáculos que certamente estarão presentes, visto que sua realização paulatina levaria a transformações profundas em uma sociedade ainda marcada por privilégios e desigualdades.

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*João Batista Moreira Pinto é professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, atuando na Graduação e Pós-graduação, mestre em Filosofia e doutor e pós-doutor em Direito pela Université de Paris-X; membro fundador do Instituto DH

**Este artigo não reflete, necessariamente a opinião da Revista Fórum.


[1] https://www.brasil247.com/blog/o-paradoxo-de-lula-um-programa-de-esquerda-na-base-de-um-amplo-arco-de-aliancas Acesso em 26 Jan 2022.