SOCIALISMO E DEMOCRACIA

Afinal, o que é socialismo criativo? – Por Domingos Leonelli

O primeiro grande desafio dos socialistas no mundo moderno é realizar o sonho de Salvador Allende e João Mangabeira: socialismo com liberdade e democracia. Isso implica em chegar ao socialismo pelo aprofundamento e radicalização da democracia

Domingos Leonelli (PSB/Reprodução).
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Não aspirando se constituir em teoria econômica, a expressão Socialismo Criativo é um conceito político que diz respeito ao tipo de socialismo objetivado pelo Partido Socialista Brasileiro. Tal como o socialismo de mercado que define o socialismo com características chinesas. Ou como o socialismo nórdico que se referia aos regimes social-democratas dos países do norte da Europa. O socialismo brasileiro em nossa opinião pode-se ser caracterizado:

- como um sistema de economia planejada capaz de superar as profundas desigualdades sociais

- construído a partir do aprofundamento dos processos democráticos, representativos e participativos

- com o fortalecimento das várias formas de propriedade dos meios de produção: públicas, privadas, estatais e coletivas

- que inclua as transformações dos modos e das relações de produção oriundas da revolução tecnológicas

- que incorpore a criatividade humana como um fator decisivo de desenvolvimento socioeconômico, político e cultural.

Esses princípios do socialismo criativo representam a sociedade futura que aspiramos para o Brasil e, também, em elementos estratégicos de um Projeto Nacional de Desenvolvimento para o Brasil, mesmo na vigência do capitalismo.

Uma das grandes polêmicas da atualidade refere-se ao socialismo chinês. Debate-se muito sobre o caráter desse socialismo. Ou mesmo sobre sua existência num país onde se desenvolve uma poderosa economia privada capitalista ao lado de uma mais poderosa ainda estrutura econômica tipicamente socialista. A principal acusação dos críticos à esquerda e à direita é que na China temos um “capitalismo de estado” como se a existência desse capitalismo excluísse a hipótese do socialismo. Ora, como bem demonstra o estudioso Elias Jabbour, o socialismo chinês está se consolidando e crescendo exatamente porque foi capaz de compreender que precisava do capitalismo para construir o socialismo com características chinesas.  E isso abriu para o mundo uma nova fronteira para a construção do socialismo. Um socialismo em que necessariamente não sejam estatizados todos os meios de produção. O modelo chinês está de alguma forma se reproduzindo no Vietnam e em Cuba onde um dos setores mais importantes da economia cubana que é o turismo conta fortemente com o capital privado.

Mas tanto em Cuba, como na China e Vietnam, como também na Rússia do século XX, o socialismo foi alcançado depois de guerras de libertação nacional e revoluções armadas. Embora as transições para o socialismo tenham sido relativamente pacificas, realizadas após as guerras de libertação e revoluções democráticas, a implantação do socialismo foi realizada sob regimes autoritários com as chamadas ditaduras do proletariado.  

Por vias pacificas, eleitorais e democráticas os socialistas conquistaram governos na Europa e implantaram social-democracias que incorporaram grande conquistas para a classe operária e os trabalhadores. Claro que as classes dominantes europeias foram obrigadas a ceder de um lado pela força dos movimentos operários em seu países e de outro pela existência do “socialismo real” da União Soviética.

O primeiro grande desafio dos socialistas no mundo moderno é realizar o sonho de Salvador Allende e João Mangabeira: socialismo com liberdade e democracia. Isso implica em chegar ao socialismo pelo aprofundamento e radicalização da democracia. O Chile foi o país mais avançou nessa direção. Avanço cortado por uma contra revolução fascista que assassinou Allende e mergulhou o país numa ditadura sanguinária por 17 anos. Tanto o golpe, como o governo de Pinochet foram abertamente apoiados pelos EUA. 

O outro desafio dos socialistas no século XXI é definir em cada país a estratégia revolucionária capaz de compreender os novos paradigmas econômicos e sociais impostos por uma revolução tecnológica que se realiza numa velocidade nunca observada na história.  Tanto no Brasil como no mundo, a luta de classes elevou-se a um novo patamar em que os atores do capital e do trabalho operam num novo cenário onde o grande capital financeiro e a economia imaterial constituem-se nos fatores mais dinâmicos do capitalismo. A geração de valor das mercadorias e a formação de capital, antes determinada pelos investimentos em capital fixo como terrenos, edifícios, maquinas, ferramentas e equipamentos, estão sendo substituídas pelos investimentos em inovação e criatividade.

Finalmente, com diz a tese 380 do livro 5 da Autorreforma do PSB, “se a criatividade capitalista tem como objetivo principal a ampliação do mercado e do lucro, a criatividade socialista deve ter como objetivos a ampliação dos espaços de liberdade, o atendimento de necessidades básicas e fundamentais, o bem-estar e a felicidade das pessoas”.

O socialismo criativo seria assim a dimensão humana do desenvolvimento das forças produtivas e da revolução tecnológica.

*Domingos Leonelli é ex-deputado federal e presidente do Instituto Pensar.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.