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A peregrinação do Tratamento Fora do Domicílio em Pernambuco – Por Jones Manoel

Um mandato ao governo de PE tem que pautar um debate sério sobre a regionalização dos serviços públicos de saúde no estado

Jones Manoel discute barreiras impostas aos caminhos dos usuários.Créditos: Ascom/PMP
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Não raro, você que é morador de alguma cidade com maior população, principalmente a capital de nosso estado (Recife), deve ter visto algum carro, micro-ônibus ou mesmo ônibus com as iniciais em letras garrafais “TFD” e o nome de algum município do interior do estado. Também não é incomum andar nas ruas de Recife e encontrar diversas casas de apoio com o nome desses mesmos municípios. Apenas como exemplo, o município de Santa Maria da Boa Vista, sertão pernambucano, fica a mais de 600km do Recife, em torno de nove horas de viagem de carro, tem casa de apoio fixa para pacientes em tratamento na capital pernambucana.

Pois bem, a sigla TFD refere-se a programa federal do Sistema Único de Saúde, que orienta e regula o tratamento de pacientes fora de seu domicílio, desde que o município não consiga atender às demandas necessárias para aquele determinado caso. Nada fora do esperado para a conformação de uma rede de atenção à saúde, uma vez que, é óbvio, que determinados municípios não têm condições e nem necessidade de organizar serviços de toda complexidade. O TFD então acaba por orientar esse processo.

Mas, então, qual grande problema pretendemos abordar (já que observamos que a estratégia se apresenta como válida para o tratamento de alguns casos)? É necessário discutir algumas barreiras impostas aos caminhos desses usuários.

As barreiras já podem ser colocadas desde o primeiro acesso ao serviço de saúde, na maior parte das vezes, nas Unidades de Saúde da Família do próprio município de residência. Daí decorrem vários problemas, que não são objetivo principal deste nosso breve texto, mas podem ser citados: dificuldade de agendamento da consulta médica; falta de cobertura na região (sobretudo áreas rurais); baixa resolutividade do problema; dificuldades no acompanhamento do caso, entre outros.

O acesso via UPA, tão propagandeado pela gestão do PSB, é ainda mais problemático. A própria concepção destas unidades, baseadas na lógica de urgência e emergência/queixa/conduta médica dificulta ainda mais o cuidado aos usuários do SUS e a complexidade que esse cuidado exige. Ultrapassadas essas barreiras e sendo necessário o acesso a um serviço de complexidade diferente, a um hospital, por exemplo, dá-se continuidade à peregrinação dos usuários.

É neste momento, não existindo rede que atenda à demanda no município, que é necessária a utilização do TFD. O grande problema é que a estratégia que deveria garantir os princípios do SUS e o consequente tratamento adequado dos usuários vira um verdadeiro calvário para estes. A centralização de serviços de alta complexidade na capital pernambucana, associado ao sucateamento de hospitais sob gerência estadual em municípios centrais do interior, obriga os usuários do SUS e seus acompanhantes a percorrerem longas distâncias e em alguns casos (não raros) não conseguirem o atendimento adequado ou em tempo oportuno.

Apesar da universalidade do nosso Sistema Público de Saúde, essa peregrinação tem classe definida. São em sua maioria trabalhadores e trabalhadoras que têm menor renda e que se encontram “perdidos” em um momento de maior fragilidade causado pelo próprio adoecimento ou de um familiar. Considere também as inúmeras barreiras de acesso relacionadas a questões de raça e gênero que diversificam nossa classe trabalhadora. Aos que ainda têm uma pequena reserva financeira, acabam por extingui-la em busca do tratamento privado e o acesso mais rápido ao serviço. Frise-se que esse acesso rápido em grande parte dos casos é fundamental para o sucesso do tratamento.

Um mandato ao governo de Pernambuco que se proponha a atender às necessidades de nossa classe trabalhadora tem que pautar um debate sério sobre a regionalização dos serviços públicos de saúde no estado, com efetivo controle popular, garantindo a distribuição estratégica 100% pública, gerida pelo estado dos serviços de saúde de todas as complexidades. Isso perpassa pela rede de diagnóstico e tratamento de inúmeras patologias, como os casos de câncer. Sabemos que existe a permanência de doenças infectocontagiosas, bem como as doenças e agravos crônicos não transmissíveis que se ampliam com aumento da expectativa de vida de nossa população. Nosso debate e prática na saúde coletiva devem pautar os problemas de nosso povo trabalhador e apontar soluções viáveis para que momentos de dificuldades (como adoecimentos por um câncer, por ex.) não se transformem em um verdadeiro calvário do povo trabalhador.

*Jones Manoel é professor, historiador, comunicador e pré-candidato ao Governo de Pernambuco pelo PCB.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.