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Lula apesar de Lula – Por Felipe Demier

É difícil não dar risadas ao nos lembrarmos que, durante certo tempo, um dissoluto João Dória, um pusilânime Rodrigo Maia e um parvenus Sérgio Moro foram pela grande imprensa alçados à condição de grandes "quadros" da burguesia liberal.

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Não obstante a histórica e estrutural debilidade hegemônica de nossa classe dominante, é um tanto surpreendente como ela, desde a crise orgânica que adentrou nó pós-golpe e emergência do bolsonarismo, não logrou construir uma só liderança capaz de representá-la com peso nas próximas eleições presidencais. É difícil não dar risadas ao nos lembrarmos que, durante certo tempo, um dissoluto João Dória, um pusilânime Rodrigo Maia e um parvenus Sérgio Moro foram pela grande imprensa alçados à condição de grandes "quadros" da burguesia liberal. O seu partido de confiança, orgânico e confiável, o PSDB, acabou por decretar seu fim quando iniciou ele mesmo, então liderado por Aécio Neves, o movimento que poria termo à normalidade do regime de 1988.  A sua sanha golpista contribuiu em muito para levedar o bolsonarismo, que o penetraria, desfiguraria, e, finalmente, dele faria troça com os resultados eleitorais do primeiro turno de 2018; de lá pra cá, os tucanos tradicionais, tanto os intelectuais quanto os caipiras, não passaram de caricaturas coadjuvantes na cena política, a ponto de um deles, já não mais trazendo consigo sua base social e seus votos de outrora, ter se convertido rapidamente em lulista, compondo uma chapa cujo objetivo parece ser salvar o regime democrático-burguês da própria burguesia. 

Ironicamente, o protagonismo e a iniciativa dessa empresa couberam à figura e ao partido que, ao serem proscritos pela democracia burguesa, deixaram-na manietada, sem sua mão esquerda, sempre secundária, mas sempre necessária para o equilíbrio do corpo institucional democrático-blindado. Assim, depois de amputada, é a mão esquerda que, contrariando as Escrituras, tenta ela mesma salvar seu corpo inteiro da geena, para onde foi atirado por seu próprio cérebro burguês, movido por uma ganância orgásmica e por um incontrolável e secular desejo autocrático. Encarcerado pela própria burguesia "em nome da democracia", é Lula quem agora estende àquela a sua mão direita, a de Alckmin, tentando, assim, salvar o que ainda resta de tal democracia - para a própria burguesia, não é escusado ressaltar. 

Mais uma vez, é a esquerda quem, em nome da classe trabalhadora, oferece a conciliação de classes como forma de preservar o regime que, da melhor maneira, garante os interesses fundamentais da classe antagônica àquela. Desta vez, contudo, a burguesia, insatisfeita mas ao mesmo tempo acomodada ao neofascismo, e novamente ensaiando o discurso dos "dois demônios" apenas para fazer com que o tridente permaneça nas mãos daquele que já o segura há quatro anos (e que, ao menos, "nunca será vermelho"), não parece mais tão disposta a conciliar. E, ainda que Lula a convença, é bem provável que ela não possa cumprir o combinado a partir do ano que vem. Mas Lula insistirá até o fim de que somente ele, um ex-operário, é quem poderá salvar a burguesia dela mesma, retirando a espada bolsonarista de Dâmocles suspensa sobre ela e suas instituições liberais e, ao mesmo tempo, adormentando os miseráveis com alguma comida e bolsas que não afetem em muito o bolso dos burgueses, conferindo, desse modo, estabilidade ao regime destes e, portanto, aos seus negócios. 

Como se tratará de um pleito plebiscitário sobre a continuidade ou não do neofascismo no poder, e como derrotá-lo urgentemente é condição imprescindível para que se possa lutar em melhores condições por direitos sociais e, portanto, lutar contra a própria burguesia e sua vetusta e corroída democracia neoliberal, não há como não pedir às massas que sufraguem, em outubro, o nome de Lula, apesar de Alckmin. É o único caminho hoje, para que ainda possa haver caminho amanhã. No entanto, para os setores mais organizados da classe trabalhadora e dos oprimidos, e inclusive para nós mesmos, há de se ter claro que, para derrotar Bolsonaro, é necessário o voto em Lula - apesar de Lula.

 

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum