Emergência climática também afeta questões habitacionais – Por Victor Maia
O Brasil tem um déficit habitacional alarmante, construído ao longo de uma extensa história de marginalização das classes mais baixas
As mudanças climáticas não são uma preocupação apenas para as gerações futuras, mas uma narrativa sobre como iremos deixar o mundo para os nossos netos. As catástrofes decorrentes das fortes chuvas que assolam o país todos os anos e fazem centenas de vítimas fatais e milhares de desabrigados têm se intensificado. Uma questão também habitacional, portanto.
Para além do rastro de destruição e mortes deixado pelas grandes precipitações, é possível constatar como as cidades brasileiras estão pouco adaptadas às mudanças climáticas e aos desafios que elas nos impõem.
Se, há poucos anos, tratávamos o aquecimento global como uma realidade para um futuro próximo, temos visto agora como uma nova ordem climática já se instalou em diversos lugares do mundo. No Brasil, as fortes chuvas e as secas acentuadas têm nos oferecido uma prévia de cenários climáticos que devem se agravar ainda mais, colocando em risco a vida de milhares de pessoas.
Dotada de variadas e complexas abordagens, as emergências climáticas dão novos contornos ao papel dos municípios na prevenção de desastres e fatalidades. No que se refere à moradia digna e segura, temos ainda um longo caminho pela frente, mas que deve ser enfrentado com dotações orçamentárias adequadas, vontade política e uso de tecnologias e evidências científicas.
Planejar e executar políticas habitacionais satisfatórias e justas é um tema desafiador em qualquer lugar do mundo. Em contextos socialmente periféricos e desiguais, no entanto, essa complexidade adquire contornos mais urgentes. Combater a precariedade das habitações, reduzir o déficit de moradias e garantir condições dignas para as famílias de baixa renda são temas tão importantes quanto promover práticas de sustentabilidade e consumo consciente.
O Brasil tem um déficit habitacional alarmante, construído ao longo de uma extensa história de marginalização das classes mais baixas, que foram alocadas em áreas de risco, insalubres e sem infraestrutura. Segundo dados da Fundação João Pinheiro (2019), o país carece de aproximadamente 5,8 milhões de casas.
Se o déficit habitacional impacta pela sua magnitude, devemos olhar ainda para outras carências relacionadas à moradia no país. Ainda segundo a FJP, a cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana, por exemplo, têm cerca de 33% de seus domicílios particulares com inadequações moderadas e graves. São casas com evidente insalubridade, tomadas por umidade e mofo, instalações elétricas com risco de incêndio, desconforto térmico, riscos estruturais, entres outros agravantes.
Com o aumento das eventualidades climáticas de grande porte, os próximos anos serão cruciais para a retomada da agenda de enfrentamento da precariedade habitacional, da coabitação familiar e das ocupações irregulares em áreas de risco.
Para além de construir mais casas (que também é importante), precisamos investir em melhorias habitacionais, requalificação social de vazios urbanos e em regularização fundiária. Tornar as cidades mais resilientes e seguras, do ponto de vista habitacional, também deve ser uma preocupação de ordem climática por parte de todos os atores públicos.
*Victor Maia é professor e tradutor, com pós-doutorado pela UFRJ, além de secretário de Habitação e Assentamentos Humanos da Prefeitura de Maricá.
**Este artigo não não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.