Na quarta-feira (9) fiz o que ainda faço todas as manhãs, abri o Correio Braziliense para ler. Desta vez, na página 13, encontrei a vice-governadora, Celina Leão, atacando o PT com uma boa dose de cinismo e má-fé.
Aparentemente sedenta para agradar o bolsonarismo, Celina recorre à simplificação, reforça estigmas e mente. Quando perguntada se acredita haver uma “onda conservadora” no Brasil, responde com uma série de perguntas.
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“Acredito que é realmente a vida do cidadão. Quem vai defender bandido? O bandido tem direitos humanos que o protegem, mas quem vai defender o cidadão que vai trabalhar, que pega um ônibus às 5h? Qual governante você quer? Aquele que vai proteger o cidadão ou aquele que vai proteger o bandido? O que gera renda e emprego para que você saia do desemprego ou aquele que quer continuar inchando a máquina pública, com os privilégios?”
Respondendo a primeira das perguntas retóricas da vice-governadora, quem defende bandidos é, justamente, o bolsonarismo, com sua lista infindável de criminosos protegidos. Gente como Allan dos Santos, Roberto Jefferson, Gabriel Monteiro, Daniel Silveira e Brilhante Ustra. No Congresso Nacional, vi de perto eles votarem para relaxar a prisão de Chiquinho Brazão e lutarem para anistiar os criminosos do 8 de janeiro, inclusive o terrorista que colocou uma bomba em um caminhão-tanque nas proximidades do aeroporto de Brasília, e que poderia ter causado uma catástrofe. Isso para não falar do próprio Bolsonaro, acusado de uma série de crimes, inclusive o de roubar joias.
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E quem irá defender o cidadão que pega um ônibus às 5h? Certamente não é a atual gestão do Distrito Federal, que impõe à população um dos transportes públicos mais caros do país. Aliás, o presidente Lula, do PT, olha para o transporte público do DF e está disponibilizando recursos para a ampliação do metrô. A mesma resposta poderia ser dada à indagação seguinte de Celina, já que o Brasil atingiu em agosto 6,6% de desemprego, o menor nível da história para o mês. Enquanto isso, no DF, temos mais que o dobro de desemprego em relação à média nacional, além do maior percentual de população em situação de rua do país. No acumulado de 2023, a inflação do DF (5,50%) também foi maior que a média nacional (4,625%), de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Na saúde, o DF virou a capital da dengue, da fila dos hospitais e de denúncias, como a recentemente feita pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra membros da cúpula do Iges, instituição que terceiriza parte da saúde do DF, por recebimento de propina para beneficiar a empresa fornecedora de alimentos para hospitais públicos e UPAs. O MPDFT também entrou na Justiça contra o GDF após recomendar uma série de ações que não foram cumpridas, e pede urgência na contratação de servidores, no aumento de leitos e na reforma ou construção de unidades de saúde. A vice-governadora também esquece que a irresponsabilidade fiscal foi uma marca do governo que ela defende, o de Bolsonaro, onde vimos a maior tentativa de compra institucional de votos da história do Brasil, para tentar, sem sucesso, a reeleição, enquanto a fome atingia 33 milhões de pessoas no país.
Na mesma resposta ao Correio, Celina prossegue: “Se você pegar o direito da minoria, ele é consolidado até na nossa Constituição, mas a maioria precisa ser preservada. A maioria que temos são pessoas que pegam um ônibus, que trabalham, que precisam desse olhar e cuidado.”
Aqui, Celina se utiliza de um expediente previsível e igualmente cínico, uma falsa dicotomia entre defender o direito das minorias e os direitos do povo. Como se mulheres e negros, por exemplo, não fossem, ao mesmo tempo, a maioria, em número populacional, e a minoria, quando falamos em representação política. Como se a população LGBTQIAPN+ não andasse de ônibus, não fosse cidadã e não fizesse parte de uma maioria no Brasil: o povo brasileiro. Além do mais, defender uma sociedade sem discriminações, que reconheça e repare danos, garantindo direitos às minorias, é, sim, defender o conjunto da sociedade.
Mesmo considerando, por amor ao debate, a “lógica” de Celina, Lula supera Bolsonaro. A maioria do povo brasileiro não viu esse “olhar e cuidado” por parte do inelegível durante a pandemia, por exemplo, e vê em Lula um presidente que pensa o Brasil como um todo, e não um país dividido entre “patriotas x comunistas”, como segrega o bolsonarismo.
À esquerda, cabe, sim, aceitar críticas e analisar eventuais derrotas eleitorais com muita humildade e franqueza, mas, jamais, se calar diante de ofensas, mentiras e preconceitos, que corroem a democracia e o futuro do Brasil.