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O que a polícia de Caiado faz por trás das câmeras? – Por Frederico Assis Brasil

A falsa excelência do estado de exceção caiadista em Goiás

O presidente Lula com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado.O presidente Lula conversa de forma próxima com o governador goiano Ronaldo Caiado, em Brasília.Créditos: Governo de Goiás/Divulgação
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Durante a proposta de reformulação do sistema de segurança pública brasileiro (PEC da Segurança Pública) apresentada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, aos governadores no Palácio do Planalto, eis que a voz tonitruante de Caiado resolve fazer da reunião seu palanque político, indo contra a proposta de emenda constitucional (PEC), no tocante a criação de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Ao canastrar diante de seus pares de outros Estados, Caiado, na verdade, tenta ocultar os graves índices de letalidade policial militar e penal de Goiás, bem como, o aumento dos crimes de violência de gênero, inclusive, envolvendo um prefeito e um delegado: Naçoitan Leite, o prefeito feminicida de Iporá e Kleyton Manoel Dias, o delegado réu por estupro em Goiânia. Sua frase célebre "Em Goiás, ou o bandido muda de profissão ou muda de Estado", parece ser, na verdade, um código que confere uma oculta licença para matar ou agir em desacordo com os Direitos Humanos.

O instrumento tecnológico da câmera no policiamento ostensivo é uma forma inteligente, não só de prevenir e punir situações de omissão ou abuso de poder, mas também de favorecer os policiais éticos que, porventura, em face de suas prerrogativas de exclusividade do uso da força, tenham que neutralizar ou se proteger de indivíduos em desacordo com a lei, restando as imagens de sua abordagem como provas do excludente de ilicitude por legítima defesa. Nesse sentido, só deve temê-lo aquele policial que tem feito uso de formas arbitrárias e ilícitas de policiamento. A bravata recorrente de que as câmeras poderiam prejudicar a conduta combativa dos policiais, por inibir uma reação mais instintiva deles, colocando, inclusive, a vida da corporação em risco, apesar de parecer sincera, na verdade, desconsidera que com melhorias do treinamento e da corregedoria, o monitoramento imagético do policial, pode, sim, ser uma adequação da profissão aos tempos da digitalização do espaço e da vida.

A relutância do governador de Goiás Ronaldo Caiado (União) em aprovar a PEC revela que “sua polícia”, como ele gosta de se referir, parece temer ser confrontada com suas próprias condutas, que, por certo, não são tão exemplares como ele apregoa. Tal suspeita coloca em perspectiva os supostos bons índices de resultados no controle de criminalidade obtidos pela polícia militar e penal de Goiás, que devem ser confrontado com os dados do primeiro semestre de 2023, que coloca Goiás em primeiro lugar proporcional na letalidade policial. Segundo o indicador da proporção das mortes por intervenção do estado em comparação com crimes violentos intencionais (CVLI) do Fórum Brasileiro de Segurança Pública , a soma de homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, no caso 529 mortes, comparadas com as mortes por intervenção policial, representaram mais da metade dessa quantidade (57,5%), com 304 vítimas (disponível neste link).

Ao afirmar que não vai colocar câmeras corporais em policiais no seu Estado, o governador parece querer ocultar que segurança pública e justiça são dois assuntos distintos e, mais que isso, que fará, supostamente, de Goiás a sua fazenda e a PM, sua milícia particular, sem subordinar-se à União: “Tenho que ter uma corregedoria séria, honesta, que não admita milícia. Não vou caminhar em uma situação como essa em que estamos aqui, a pagar salário e receber ordem do Congresso, da União, para dizer como vou me comportar em Goiás. Isso é inadmissível, é uma usurpação de poder, invasão de prerrogativa, em uma prerrogativa que já está garantida a nós, governadores”.

Violência não pode ser medido só por homicídios, latrocínios, furtos e roubos, mas também por violência doméstica. E nisso, apesar do governador não comentar, Goiás está entre os 10 maiores do Brasil, atualmente, sendo o 7º lugar com maior número de feminicídios do país, com base em dados do primeiro semestre de 2023 (pesquisa “Violência Contra Meninas e Mulheres” do Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Segundo este instituto, sem contar os homicídios dolosos com vítimas mulheres, foram 32 registros do crime em municípios goianos, o que resultou em uma alta de 3,2% em comparação a 2022, um aumento de quase 130% desde o início da série histórica.

Já em relação ao sistema penitenciário, a situação é até mais escabrosa que a da segurança pública, até mesmo porque se trata de cidadãos que já estão confinados e, em tese, não deveriam estar sujeitos a violência estatal, mais justificada, relativamente, em ações ostensivas. Mesmo que as facções criminosas imponham regras internas que devem ser combatidas por meio da fiscalização constante da instituição de execução penal, os relatos de violações de Direitos Humanos apontam para um cenário de guerra civil e apartheid institucional. As Inspeções do Conselho Nacional de Justiça, que gerou um extenso Caderno de Recomendações, apontou para a ocorrência de privações ao atendimento de necessidades básicas em dos presídios do Estado de Goiás, como assistência médico, familiar e jurídica, e até transferência de detentos sem autorização judicial e comunicação com parentes e advogados, mas também, torturas, espancamentos e castigos corporais, como choques elétricos, uso de spray de pimenta, bem como, jejum de água e comida por 15 horas e falta de energia elétrica nas celas.

A violência estatal está institucionalizada em Goiás. Sob o pretexto de combater o crime organizado, o governador criou, supostamente, não um Estado de Excelência, mas, sim, um Estado de Exceção em que o arbítrio estatal é naturalizado e incentivado, simplesmente, por gerar números frondosos nas árvores de balancetes anuais nos diários oficiais que se tornaram a mídia em Goiás, (auto)censurada por abuso de poder econômico do Estado, que mantém com verba pública quase todos os portais de política do Estado. Assim, como os professores estaduais conseguiram o primeiro lugar no IDEB para Goiás, às custas do seu adoecimento mental após aumento extenuante de horas trabalhadas, e depois foram abandonados pelo governador quando pediram um Plano de Cargos e Salários em outubro de 2024, os policiais seguem recebendo salários irrisórios para arriscar suas vidas, sendo pressionados por resultados ultrapositivos, em troca de promoções por Atos de Bravura.

Com suspeitas de fraudes em registros de confrontos que só as câmeras de monitoramento laboral poderiam provar se tratar de carnificina eugenista, a letalidade em ações policiais cresceu 22% de 2018 a 2023, justamente o número do Bolsonaro, porque Caiado, prefere o “L” deitado do que o “L” em pé. A ironia de Lula na reunião em questão, mencionando que Goiás seria o único Estado sem criminalidade e que Caiado é que a deveria ter convocado, tem como pano de fundo o fato de que Caiado é o único governador, cuja família coronelista é investigada por um caso incluído na lista de grande repercussão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Trata-se da chacina de queima de arquivo que resultou em inúmeras mortes, como a do ex-coordenador político do DEM, Fábio Escobar, após ele ter denunciado irregularidades financeiras na campanha de Ronaldo nas eleições de 2018. Envolvendo diversos policiais militares, que foram promovidos por atos de bravura após o assassinato, o caso envolve não somente o primo de Caiado, acusado de ser um dos possíveis mandantes do crime. Segundo, o coronel Newton Castilho, ex-chefe da Casa Militar do Palácio das Esmeraldas, houve prevaricação e negligência de Ronaldo Caiado, que teria sido avisado por ele da trama criminosa que se anunciava. Segundo o portal anticaiadista Goiás 24hs, Fábio antes de morrer enviou uma mensagem para o Whatsapp do próprio Ronaldo Caiado, supliciando pela vida em nome de seus filhos.

*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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