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A psicologia do poder: O que está por trás da mente de um aspirante a ditador? - Por Vitor Friary

No Brasil, é perceptível o aumento de políticos que flertam com ideias autoritárias, desafiando os princípios democráticos. Analisar os sinais que essas figuras apresentam e compreender esse comportamento sob a ótica psicológica é essencial

Bolsonaro aponta para foto do general Emílio Garrastazu Médici, que comandou Ditadura entre 1969 e 1974.Créditos: Flickr / Bolsonaro
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O comportamento autoritário, inclinado ao viés ditatorial, além de uma questão política, é um fenômeno que se relaciona com a saúde mental e a psique humana. Nos últimos anos, o cenário político tem registrado uma ascensão de extremistas e aspirantes a ditadores, que representam uma nítida ameaça à democracia e às decisões da maioria. 

No Brasil, é perceptível o aumento de políticos que flertam com ideias autoritárias, desafiando os princípios democráticos. Analisar os sinais que essas figuras apresentam e compreender esse comportamento sob a ótica psicológica é essencial. Em uma sociedade saudável, o respeito à democracia é fundamental para garantir a convivência pacífica e a preservação dos direitos de todos e identificar esse perfil pode ser a chave para assegurar isso. 

A psicologia oferece insights cruciais sobre a personalidade de ditadores e aspirantes ao autoritarismo. Pesquisadores como Theodore Millon, autor da Personality-Guided Therapy, destacam que certos traços de personalidade, quando combinados com condições sociais específicas, podem criar o terreno fértil para ações antidemocráticas. Aqui, eu exploro cinco sinais psicológicos que frequentemente emergem em líderes com tendências autoritárias.

1. Egocentrismo Patológico.

Ditadores tendem a acreditar que são o centro do universo. Eles possuem um senso exagerado de importância pessoal e frequentemente se veem como figuras messiânicas, salvadoras de uma nação ou ideologia. Para eles, a sua visão é absoluta e deve prevalecer, mesmo à custa de vidas humanas. Esse egocentrismo pode mascarar inseguranças profundas, mas é sustentado por uma necessidade insaciável de validação.

Exemplo prático: Ignorar evidências científicas, dados, para justificar suas decisões; pode ser visto como um reflexo desse egocentrismo, menosprezando o bem-estar coletivo para sustentar sua narrativa pessoal.

2. Manipulação e Charme Superficial

Líderes autoritários são mestres em manipular emoções coletivas. Eles exploram medos, inseguranças e preconceitos de suas bases, criando narrativas que os posicionam como indispensáveis. Esse charme muitas vezes se traduz em uma habilidade de se conectar emocionalmente com seus seguidores, enquanto, nos bastidores, trabalham para consolidar seu próprio poder. Esses indivíduos costumam apresentar traços de transtornos narcisistas, caracterizados pela ausência de empatia e pela instrumentalização das pessoas ao seu redor.

3. Rejeição a Críticas e Hostilidade à Oposição

Ditadores não toleram a dissidência. Eles veem críticas como ataques pessoais e respondem de forma desproporcional, muitas vezes utilizando a violência ou campanhas de difamação contra opositores. Essa reação é frequentemente impulsionada por uma baixa tolerância à frustração e um desejo constante de manter a superioridade. Exemplo prático: A perseguição sistemática a profissionais de imprensa e opositores durante regimes autoritários, como o de Hitler na Alemanha nazista, reflete esse padrão.

4. Fascínio pelo Controle Absoluto

A necessidade de controle é uma característica marcante. Esses líderes desejam centralizar todas as decisões e eliminar qualquer forma de autonomia ou poder que não esteja alinhada com sua agenda. Essa obsessão frequentemente leva à repressão de direitos civis, controle da mídia e censura e é a marca histórica de um modelo antidemocrático.

5. Ausência de Empatia e Uso da Violência como Ferramenta

A frieza emocional e a disposição para utilizar a violência - ostentar uso e detenção de armas, por exemplo -, como meio de alcançar objetivos são traços predominantes. Para essas personalidades, fins justificam os meios. Isso se conecta a características de transtornos antissociais de personalidade, onde a preocupação com o sofrimento alheio é praticamente inexistente.

Perspectiva clínica: Estudos de Millon mostram que líderes autoritários muitas vezes compartilham traços com psicopatas de alto funcionamento, exibindo comportamentos calculistas e sem sombras de dúvidas, desumano. 

Concluo este artigo refletindo sobre a importância de avaliar o comportamento de líderes sob a ótica da saúde mental como forma de identificar possíveis riscos à democracia, aos direitos humanos e à soberania das nações. Ao longo da história, o comportamento de ditadores revela padrões recorrentes e sintomas comuns que indicam uma tendência ao autoritarismo. Reconhecer, avaliar e divulgar esses sinais é essencial para evitar que figuras com tais características ganhem espaço na sociedade.
Os governos ditatoriais deixaram marcas profundas e traumas significativos em diferentes períodos da história. Compreender a psicologia por trás de aspirantes a ditadores não apenas ajuda a identificar sinais de alerta, mas também permite o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção.

A conscientização coletiva, aliada à educação política e ao cuidado com a saúde mental, desempenha um papel fundamental na proteção das democracias. Afinal, líderes autoritários podem emergir em qualquer contexto social, mas é a reação da sociedade que define se eles prevalecerão ou serão contidos.

* Vitor Friary é doutorando no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, formado em Psicologia Clínica, fundador do Centro de Mindfulness no Brasil e autor de livros no Brasil e nos Estados Unidos.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.