O atual cenário psicopolítico em Goiás tem configurado uma relativa falta de autonomia do Judiciário e do Legislativo, causando uma hipertrofia do Executivo. É imperativo, assim, a defesa constitucionalista da independência entre os poderes no Estado de Goiás, que vive um revival do mandonismo local da família Caiado. Através de um modelo de mordaças e assédios velados e explícitos às autoridades e instituições, que são compelidas a cooperar ou não se opor ao projeto caiadista de poder monocrático.
Acostumado a despotismos imperiais e coronelistas sem limites desde os tempos do Brasil Colônia e da República Velha, o atual xadrezismo do governador Ronaldo Caiado (UB) impressiona por incluir uma rede microfísica de apoiadores regionalistas virulentos nas instituições políticas, governamentais, comunitárias, jornalísticas e empresariais. Composta por integrantes e entusiastas de seu partido, União Brasil, mas também por mdbistas e bolsonaristas do setor público e privado de Goiás, esses falsos defensores de um Goiás progressista e sustentável, permitem ao chefe do executivo forjar um discreto descolamento da figura de Bolsonaro, enquanto finca suas unhas nos resquícios de marconismo no contexto político local e prepara as bases comezinhas para catapultar sua candidatura à presidente no nacional. Projeto esse, que sempre foi o seu primeiro e único, desde os tempos do UDN e do PFL.
O autoritarismo da gestão Caiado não se apresenta sempre na forma de violência física nas ruas, e verbal nas redes. Por meio de uma cultura subliminar de consensos coercitivos obtidos através do medo, tem comprometimento a normalidade social e institucional plena no Estado. Mesmo que se esforce por estabelecer uma aparência de diálogo, bem diferente dos seus apoiadores, que, declaradamente, se identificam com seu passado familiar e político beligerante, a figura de Caiado intimida não só por sua postura arrogante e voz tonitruante, mas pelo subtexto e não dito das forças coronelísticas que representa.
Tal situação de mordaça coletiva tem contribuído para moldar no tecido psicossocial um pensamento uníssono com a ideia de que sua gestão é a da modernidade política, da retomada econômica é até da diversidade cultural. Quando na verdade, ela significa o retrocesso ou reestagnação cristalizada pela santíssima trindade monocultural goiana composta pelo clientelismo político, agronegócio e o sertanejo universitário, que, na verdade, estão a serviço do patriarcalismo patrimonialista e machista.
Para manter a imagem de bom gestor, já que bom moço todos sabem que não é, o governador precisa, em função de políticas fazendárias questionáveis da primeira gestão, cortar na carne do povo, que será sacrificado com perda de direitos sociais para que consiga empreender uma maquiagem por causa da diminuição do crescimento econômico e da arrecadação de tributos. Por isso, tem aprovado desde 2022, como um trator de soja, uma série de medidas impopulares como a Taxa do Agronegócio -, ganhando no grito até do Supremo -, e a privatização do plano de saúde do funcionário público, IPASGO -, medida polêmica que tem despertado a ira do funcionalismo estatal e da oposição multipartidária à Caiado, composta por deputados do partido de Bolsonaro e de Lula.
A gestão Caiado tem trabalhado 24h para o sucateamento da Universidade Estadual de Goiás, por meio da extinção de cursos e campis; para a destruição do Cerrado, através de aprovação de legislação condescendente com a desmatamento; para o aumento da violência escolar, após ter vetado PLs de segurança pública e suporte psicossocial nas escolas, e para a desinformação pública, desde que transformou a TV estatal em agência de propaganda do bolsonarismo, culminando com a mudança do prédio do canal para um equipamento cultural subutilizado, porque cultura, para Caiado, é sinônimo de anticaiadismo.
O auxílio de uma tropa de choque no Legislativo, onde o governador detém maioria plena, permitiu atropelos de ritos regimentais legislativos, como o da necessidade de realizar consultas públicas e prazos intersticiais. Uma particularidade que demonstra o grau de domínio político de Caiado no legislativo goiano é o fato de que a oposição é feita pelo PL e pelo PT, relativizando um pouco o peso da polarização política nacional. No entanto, com a velada ruptura, por parte presidente da casa, Bruno Peixoto, do mesmo partido do governador, após este não apoiar sua candidatura para prefeito de Goiânia, a oposição poderá ganhar um reforço de peso. Peixoto começa a sinalizar uma possível aliança com Alckmin para fortalecer o PSB em Goiás e eleição de sua irmã como nova vice-presidente do PSB na Capital, já é uma prova disso
Uma mudança conjuntural da hegemonia de Caiado no legislativo começou a ocorrer no mês de maio de 2024, quando ficou explícito o esquema do individualismo interesseiro de Caiado, que faz uso de sua ampla coesão política para trabalhar contra políticas públicas benéficas ao Estado, deixando ônus da aprovação final e o prejuízo institucional para o legislativo. Até mesmo em assuntos corriqueiros de despacho interinstitucional entre os 2 poderes que deveriam ser complementares e interdependentes, o diálogo não é horizontal, sendo patente o descaso e a falta de acessibilidade do secretariado, principalmente, em receber os deputados com suas demandas locais e se fazerem presentes em audiências públicas na Assembleia.
Os constantes vetos do governador e da procuradoria do Estado em 2024 até mesmo aos deputados da base e, inclusive a projetos ligados à proteção e ao incentivo dos agropecuaristas também tem sido fontes de animosidades. Um exemplo recente é o PL 9526/21 de Amauri Ribeiro (UB) que versa sobre a oferta de leite na merenda escolar, pelo menos, 2 vezes por semana, para minorar a crise da bacia leiteira goiana, que em tese, seria uma pauta política de Caiado, ruralista de carteirinha da UDR (União Democrática Ruralista). O paradoxo causou mal-estar até mesmo no líder do governo, Tales Barreto (UB), que votou e orientou a bancada a votar pela derrubada do veto.
A relativa falta de autonomia do legislativo em Goiás, fazendo de Caiado "um déspota pouco esclarecido" (vide artigo anterior), evidencia uma falsa modernidade de sua gestão que combina aparência de estadista democrático e republicano, com a essência de coronelismo autoritário e monarquista.
*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.