A denúncia contra Jorge Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e funcionário do poder Legislativo, suspeita que ele teria coplanejado o cometimento do crime de assassinato do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante (ex-coordenador da campanha de Ronaldo Caiado no antigo DEM), em função da sua influência política na Secretaria de Segurança Pública (SSP) e intimidade com policiais militares. O empresário de Anápolis, mesma cidade do governador, antes de morrer, denunciou desvios de recursos nas eleições de 2018 e corrupção no governo estadual, denúncias essas que envolviam, principalmente, o ex-presidente do Democratas, Carlos César de Toledo (Cacai), denunciado como mentor intelectual do crime (atualmente foragido). Jorge e Cacai, em busca de uma solução extraoficial, reuniram-se, em fevereiro de 2019, com o coronel Benito Franco Santos, à época comandante da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (Rotam). Segundo consta, a dupla teria pedido a cabeça de Escobar (“só matando”), como solução definitiva por suas ameaças ao grupo político do governador.
O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO) e da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB-GO, os advogados Thales José Jayme e Rodrigo Lustosa Victor, ao lado de outros seis nomes, como o advogado Luiz Inácio Medeiros Barbosa, compõem a equipe de defesa de Jorge Caiado que foi denunciado pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), por participar do assassinato do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante. O envolvimento de membros da OAB, que durante a ditadura atuou bravamente em defesa de vítimas da violência estatal, só prova que os tentáculos do caiadismo não comprometem, exclusivamente, a separação dos poderes, mas também o Estado de Direito, já que para essa corrente, direitos humanos é mimo aos bandidos. É pesaroso, assim, que essa laureada entidade empreste a sua credibilidade institucional, mesmo que, de forma indireta e através do exercício regular da advocacia, neste que poderá ser, caso confirmadas as suspeitas iniciais, um dos maiores crimes de perseguição política e queima de arquivo da história policial goiana, só comparável à Chacina do Duro (dos Nove). Até porque morreram após o homicídio de Fábio Escobar em 23 de junho de 2021, Bruna Vitória Rabelo Tavares em 23 de agosto de 2021; Gabriel dos Santos Vital, Gustavo Lage Santana e Mikael Garcia de Faria, e Bruno Chendes, Daniel Douglas de Oliveira Alves e Edivaldo Alves da Luis Junio em 19 de janeiro de 2022.
A estratégia do corpo de defesa de Jorge Caiado, talvez, por falta de argumentos robustos, é a de brainstorm de acusações contra outros possíveis desafetos de Escobar, transformando o caso em uma espécie de jogo "Detetive", bem como, por meio de desqualificação do oponente morto ("endividado de jogo" e "amante de mulheres casadas"). Expressa no livro "Como vencer um debate sem precisar ter razão" de Schopenhauer, esse estratagema fático tenta tirar o foco do acusado e de seu suposto crime para culpabilizar a infeliz vítima pela sua própria morte, no caso, chegando a acusar de “opiniões mentirosas” os depoimentos dos coronéis Newton Nery Castilho, ex-chefe da Casa Militar, e Benito Franco, ex-comandante da Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Rotam), que ocuparam os cargos no primeiro governo de Ronaldo Caiado (UB). A notícia menos ruim é que, apesar da (auto)mordaça na imprensa goiana caiadista (por amor) ou caiadodependente (por temor), o caso vem sendo noticiado com especial interesse pela imprensa nacional, mormente, após a inclusão de Jorge Caiado na mira da investigação. Em função disso, entrou também para a lista dos casos de grande repercussão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sendo alvo de um acompanhamento mais apurado e vigilante por parte dos órgãos correicionais.
Ocorre que não precisa nem de lógica aristotélica para entender que um sujeito com o mesmo sobrenome do governador, carrega uma arma de peso, ainda mais no caso dos Caiado, que se confundem com a história do mandonismo em Goiás. Agora, se este mesmo sujeito da nobreza aristocrática goiana for atrás de policiais com um amigo ofendido para resolver problemas de denúncias de um dissidente kamikaze no grupo de apoio do partido dele, mesmo que não peça para ninguém fazer nada ilícito, o simples fato de estar ali dando suporte psicológico e político, é uma forma de ação mesmo que passiva. Afinal, como dizia o também filósofo Jesus Cristo, "diga-me com quem tu andas..."
Mas como a Lei de Murphy é a única que, de fato, pegou no Brasil, a testemunha coronel Newton Castilho, ex-chefe da Casa Militar do Palácio das Esmeraldas, salientou aos investigadores que teria avisado o governador e a primeira-dama de que o Jorginho planejava matar o desafeto. O governador terá que falar desse assunto publicamente mais vezes do que Ciro Gomes sobre Patrícia Pillar, o que irá desgastá-lo para a corrida presidencial, até porque se comprovada a fala do militar, será configurado crime de prevaricação por parte de Ronaldo Caiado. Em março de 2024, em entrevista à revista Veja, o governador alega se tratar de denuncismo a fala do militar, visando atrapalhar sua hegemonia no União Brasil e as condições favoráveis à sua pré-campanha antecipada à Presidência do país.
Para o governador, é estranha essa denúncia do coronel ter demorado três anos e meio para aparecer, sugerindo que o MP deveria seguir o rastro dos R$ 11 milhões na conta dos policiais presos por supostos envolvimentos no caso. Mais estranho ainda é ele acusar um coronel, sem atuação ou pretensões políticas, de estar fazendo intriga da oposição.
A polícia goiana (ou do governador-imperador) parece não querer brincar de "Onde está Cacai", pelo menos não da mesma forma como fizera com o serial killer Lázaro Barbosa, que foi encontrado em menos de 30 dias com 38 tiros, disparados por uma das polícias mais letais do Brasil. O fato é que, talvez, seja interessante ao grupo político atual do governador, que Cacai suma no mundo veio com porteira, para que o caso não seja elucidado com exatidão. A morosidade da polícia do governador ("minha polícia") em prender o principal suspeito torna mister que o MP solicite pedidos de busca e apreensão em todas as fazendas da família Caiado e de aliados próximos, mesmo que não seja aceito pelo juizado, em sua maioria, caiadista. A conduta constitucional do Judiciário goiano tem sido constantemente questionada nos tribunais superiores e do CNJ, em função de divergências de interpretação em relação a jurisprudência, o que revela complacência do judiciário com o coronelismo político em Goiás.
À guisa de resolução a esse cenário antidemocrático, só resta apelar à Emenda 45. Este artifício de federalização de casos estaduais de grande repercussão e violação de direitos, já foi sacado para julgar o grupo de extermínio que atuava em Goiânia e cidades do interior desde o ano 2000, que com a participação de policiais militares, cometeram violência a moradores de rua no estado. Nesse sentido, o procurador-geral da República deverá solicitar ao STJ que aceite o chamado Incidente de Deslocamento de Competência em casos envolvendo direitos humanos (Emenda Constitucional 45), devendo a Justiça Federal julgar Jorge Caiado e Cacai. Essa premente medida poderá auxiliar para que Goiás saia do atraso democrático, que o faz manter no cargo máximo do poder Executivo um ruralista autoritário, cuja família está associada, sem nem precisar voltar ao Brasil colônia, às violações de direitos trabalhistas, como o caso de Emival Ramos Caiado Filho, quando auditores fiscais do trabalho encontraram em 2010 ao menos 26 trabalhadores rurais em condições análogas à escravidão. Caiado e Jorge Caiado usarão a estratégia de Bolsonaro e Carlos Bolsonaro para se esquivar das possíveis associações com a morte de Marielle Franco, mas, neste caso, as evidências são mais robustas, pelo menos, para incriminar o pobre do primo do governador, que atravessou a rua para cair na casca de banana no outro lado da calçada.
*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.