Em 17 de novembro de 2023, em comemoração ao aniversário da cidade, o gestor municipal alega ter misturado bebida alcoólica e remédios para, em seguida, invadir a casa da ex-esposa e disparar ao menos 15 tiros dentro da residência, onde a mulher estava com o atual companheiro. Depois de ficar uma semana foragido, o político se entregou e foi indiciado pela Polícia Civil de Goiás (PCGO) por tentativa de feminicídio, tentativa de homicídio, fraude processual e posse ilegal de arma de fogo. O caso típico de velho oeste poderia ter ocorrido em qualquer cidade do Brasil, mas na verdade ele tem um endereço: cidade de Iporã, na região oeste do estado de Goiás.
O atual prefeito de Iporá (GO), Naiçoitan Leite, certamente, não será lembrado na cidade por benfeitorias sociais para a população local, mas, sim, por ter trazido os holofotes da mídia goiana e brasileira para sua pacata cidade, em função de uma tentativa de feminicídio contra sua ex-mulher e ex-primeira-dama Hayzza Haytt. Além de ter cometido violência doméstica contra ela no dia 18 de novembro de 2023, há suspeita que ele também tenha cometido violência política de gênero, no tocante à participação pública na gestão, em relação à vice Maysa Cunha, antes do famigerado episódio envolvendo o prefeito. É mister fazer uma retrospectiva rápida para conhecer melhor o psiquismo de Naçoitan, se é que podemos chamá-lo de sujeito.
Grande Político da Pequena Política
Em 2012, na eleição municipal, tentou se eleger para prefeito pelo PSDB, tendo declarado ao TSE um patrimônio quase 40 vezes superior ao apresentado na tentativa anterior em 2008, quando perdeu por menos de 200 votos. O pedido de impugnação de sua chapa pelo Ministério Público de Goiás, o que o obrigou a renunciar a disputa, indicando Danilo Gleic como substituto, que se consagrou vitorioso com 69% dos votos. Apesar de oficialmente o prefeito ser Danilo, Naçoitan tornou-se eminência parda, levando o Ministério Público a mover uma ação de improbidade administrativa contra esse notável iporaense por usurpar as prerrogativas do prefeito oficial em eventos oficiais, receptivos às autoridades e inaugurações de obras. Voltando a ficar elegível, venceu em 2016 com 42,25% dos votos válidos as eleições municipais de 2016, assumindo a prefeitura em janeiro de 2017, liminarmente, após sua candidatura ter sido cassada pela Justiça Eleitoral devido às irregularidade contábeis e um desvio de função de servidor público destinado à sua campanha.
Já em 27 de julho de 2018, o prefeito foi flagrado criando óbice a uma blitz com bafômetro, alegando que a exposição agropecuária da cidade seria prejudicada por essa ação preventiva de educação de trânsito. Dois anos depois, concorreu ganhou novamente com 33,59% dos votos válidos, apesar da candidatura ter sido aceita sob judice. Apesar da vitória em 2020, ficou inelegível após ter seu primeiro mandato cassado pelo TRE, por suspeita de abuso de poder econômico (uso de um helicóptero para derrubar panfletos) e ilicitudes financeiras na campanha, durante o pleito de 2016, situação que foi interrompida por ter obtido sua diplomação após tutela cautelar do ministro Luiz Roberto Barroso. Na sua decisão, o presidente do TSE mencionou: “os argumentos apresentados pelo autor no recurso são plausíveis”. Como bom bolsonarista, após as eleições de 2022, teve seus áudios vazados para imprensa no episódio: "nós precisamos eliminar o Alexandre de Moraes e o Lula (...) vamos arregaçar as mangas", tendo sido expulso do União Brasil por Luciano Bivar;
Violência Política de Gênero
Após o prefeito ter sido preso, a vice-prefeita Maysa Cunha passou a afirmar que foi impedida de participar da gestão municipal pelo atual prefeito, segundo matéria publicada pelo "O Popular". Além disso, a hoje candidata a prefeita da cidade, sofreu com a fraca oposição da Câmara de Vereadores que atuaram de forma morosa para que ela fosse oficializada como prefeita interina, atuando somente após recomendação expressa do MP/GO, demonstrando que ser machista, é um dos principais itens de governabilidade política em Iporá. Dos 13 vereadores, nove persistiram no erro de seguir os votos do prefeito preso e acusado durante os 2 meses de governo de Maysa, que, à despeito da oposição sabotadora e, em pouco tempo, conseguiu avanços importantes em relação ao aterro Sanitário, à urbanização asfáltica, à revitalização hídrica e à saúde pública.
Essa situação enfrentada em Iporá não é exceção, infelizmente, sendo recorrente em todas as casas legislativas e executivas municipais em que existam alguma combativa mulher para encarar o coronelismo patriarcalista e misógino mantidos por homens às custas da secundarização do papel feminino na vida pública. O caso de Naçoitan é prova de que não é só no interior que há preconceito contra o empoderamento das mulheres íntegras e corporativismo em defesa de homens corruptíveis ou corruptos, já que, apesar do STJ ter negado recurso de habeas corpus de soltura do acusado em 8 de dezembro de 2023, depois de 90 dias de prisão, o prefeito de Iporá, Naçoitan Leite, foi colocado em liberdade, por decisão do desembargador do TJ/GO Wander Soares Fonseca, em uma tendência contrário ao sinalizado pelo STJ previamente. Apesar de Naçoitan ter sido indiciado por tentativa de feminicídio, o prefeito foi recebido com loas e louvores por seus apoiadores (a maioria com cargos comissionados), na tentativa de redimir os pecados do patrão com músicas evangélicas. Naçoitan Araújo Leite passou por audiência de instrução e julgamento e recebeu o direito de responder o processo em liberdade, mas, com uso de tornozeleira eletrônica, conseguiu retomar o controle do poder municipal.
Como vimos, mais uma vez, tragédias anunciadas costumam ser ignoradas no Brasil. Esse aberrante prefeito Naçoitan Leite já havia apresentado diversos indícios de que sua vida pública seria repleta de máculas. Após 2023, ficou claro que, além de não ser um péssimo gestor, não é sequer um homem de bem, somente, um homem de bens, já que sua vida é prova cabal de que a política é melhor carreira para se tornar milionário e que com um “bom” advogado, consegue-se driblar o seletivismo sociorracial do judiciário brasileiro. Essa Liberdade para um suposto quase feminicida movido por motivo torpe, acusado também de fraude processual (eliminação de provas das câmeras de vigilância da casa de Hayzza), porte ilegal de arma, corrupção e violência política, é algo que deveria envergonhar o Estado de Goiás e seu judiciário, que não por acaso, tem muitos de seus municípios com parcos índices de desenvolvimento sustentável das cidades em relação ao ODS 5 relativo à igualdade de gênero (disponível neste link).
*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.