O que é a PEC 32
A Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, conhecida como Reforma Administrativa, foi apresentada pelo governo federal em 2020 (Jair Bolsonaro) e é defendida por partidos do centrão e da direita como uma modernização do Estado. O texto propõe mudanças nas regras de contratação, estabilidade e avaliação de servidores. Segundo seus defensores, o objetivo é tornar o serviço público mais eficiente e menos oneroso.
Mas análises técnicas e dados orçamentários apontam o contrário: os maiores privilégios permanecem intocados, enquanto a base do funcionalismo — que sustenta os serviços essenciais — seria a mais afetada.
Quanto custam os “supersalários”
R$ 10 bilhões: Foi o gasto estimado, em 2024, com remunerações acima do teto constitucional, segundo levantamento do Congresso em Foco. Em dez anos, o custo com servidores de elite do Judiciário, Ministério Público e Legislativo dobrou, de acordo com dados do Estadão Dados.
A PEC 32 não altera essas remunerações. Pelo contrário, foca na base — professores, técnicos, médicos e enfermeiros — que já são mal remunerados e deixa de fora as carreiras de topo.
Mito da eficiência
A ideia de que o Estado é inchado e ineficiente não encontra respaldo em comparações internacionais. O gasto com servidores, em relação ao PIB, é semelhante ao dos Estados Unidos e menor que o de várias economias europeias. O problema é distributivo: altos salários concentrados no topo e escassez de recursos na base.
Para o economista Douglass North, mudanças que não enfrentam essas distorções acabam sendo simbólicas. No caso da PEC 32, a reforma mantém privilégios e penaliza quem atua na linha de frente do serviço público.
“Reformas que ignoram os ‘nós duros’ da desigualdade institucional tendem a fracassar”.
— Douglass North, economista, em Institutions, Institutional Change and Economic Performance (1990).
A estabilidade em risco
A PEC 32 restringe a estabilidade a carreiras “típicas de Estado”, como diplomatas e auditores. Professores, médicos, policiais e enfermeiros ficariam vulneráveis à demissão e à rotatividade. Max Weber, em “Economia e Sociedade”, descreve a estabilidade funcional como pilar da burocracia moderna, essencial para evitar o patrimonialismo — a confusão entre o público e o privado. A retirada dessa proteção abre espaço para clientelismo político e descontinuidade de políticas públicas.
Impacto direto:
Para os servidores: perda de direitos e insegurança no trabalho.
Para os cidadãos: deterioração dos serviços públicos e aumento da desigualdade social.
Um Estado que preserva o topo
Enquanto professores da rede pública ganham em média R$ 4 mil, juízes e procuradores recebem, com benefícios, mais de R$ 100 mil mensais. O economista francês Thomas Piketty define essa disparidade como captura do Estado pelas elites. Já Mancur Olson, em The Logic of Collective Action (1965), explica que grupos pequenos e organizados conseguem bloquear reformas que afetem seus interesses sobre políticas públicas do que grandes grupos dispersos.
A PEC 32 segue esse padrão: atinge os vulneráveis e poupa os poderosos.
O papel do relator
O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) é o relator da proposta. Ele votou a favor da Reforma Trabalhista (2017) e da Reforma da Previdência (2019). A escolha mantém coerência política: apoiar projetos que reduzem o papel social do Estado e favorecem a agenda fiscal de elites econômicas contra a base social trabalhadora do país.
Democracia em risco
O cientista político Guillermo O’Donnell definiu a estrutura organizacional estável como barreira contra a captura política. Bo Rothstein, em The Quality of Government (2011), demonstrou que países com estruturas profissionais têm menos corrupção e mais confiança institucional. Ao flexibilizar vínculos e abrir espaço para contratações temporárias, a PEC 32 enfraquece o serviço público e a própria democracia.
Entre modernização e retrocesso
O Brasil precisa de uma reforma administrativa — mas não desta. Uma reforma efetiva deveria:
1-combater supersalários e verbas indenizatórias;
2-valorizar a base do funcionalismo;
3-garantir estabilidade técnica e impessoalidade no serviço público.
A PEC 32 faz o oposto. Apresentada como “modernização”, aprofundaria desigualdades e enfraqueceria a estrutura do Estado brasileiro. E defender o serviço público não é uma pauta corporativa. É defender o interesse coletivo e o equilíbrio democrático.
Fontes e referências
Fontes teóricas:
NORTH, Douglass C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge University Press, 1990.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: Editora UnB, 1999.
SEN, Amartya. Development as Freedom. Oxford University Press, 1999.
PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
OLSON, Mancur. The Logic of Collective Action. Harvard University Press, 1965.
O’DONNELL, Guillermo. Democracia, Agência e Estado. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
ROTHSTEIN, Bo. The Quality of Government. University of Chicago Press, 2011.
Fontes jornalísticas:
Congresso em Foco. “Supersalários custam R$ 10 bilhões em 2024.” Brasília, 12 jan. 2024.
Estadão Dados. “Gastos com servidores de elite dobram em uma década.” São Paulo, 8 fev. 2024.
Fonte normativa
BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição nº 32/2020. Câmara dos Deputados.
*Danilo Tavares (@danilotavaressol) é produtor cultural, funcionário público municipal e secretário de comunicação do PSOL de São Vicente, além de membro do Conselho de Economia Solidária de São Vicente e do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.