O uso excessivo de dispositivos eletrônicos por estudantes tem se tornado uma preocupação crescente na área da educação e da psicologia, especialmente em um contexto de dependência de telas que impacta a cognição, o bem-estar emocional e a dinâmica social. A recente sanção da Lei 4.932/2024 pelo presidente Lula, que restringe o uso de dispositivos eletrônicos em escolas da educação básica, levanta questões importantes sobre as bases neurofisiológicas e comportamentais dessa dependência, assim como sobre as medidas necessárias para lidar com os efeitos da abstinência desses dispositivos.
Estudos demonstram que o uso excessivo de dispositivos eletrônicos está associado a problemas como a diminuição da capacidade de atenção, dificuldades no processamento de informações e problemas de regulação emocional. A exposição prolongada a telas, especialmente em plataformas como redes sociais e jogos eletrônicos, ativa o sistema dopaminérgico do cérebro, promovendo sensações de prazer imediato. Esse ciclo de recompensa rápida pode levar à compulsão e comprometer a capacidade de lidar com tarefas que requerem esforço cognitivo prolongado.
Pesquisas também indicam que o uso excessivo de telas pode interferir no sono, na capacidade de interação social presencial e no desenvolvimento de habilidades fundamentais, como a leitura e a escrita. Em populações jovens, a dependência de dispositivos eletrônicos é frequentemente correlacionada com maiores índices de ansiedade e depressão.
Do ponto de vista neurofisiológico, o problema do uso excessivo de dispositivos eletrônicos está ancorado em processos relacionados à recompensa e à regulação emocional. A liberação de dopamina durante o uso de dispositivos eletrônicos cria um ciclo de dependência que reforça comportamentos repetitivos. Além disso, as notificações constantes e o design de interfaces que promovem a interação compulsiva agem como gatilhos cognitivos, ativando a resposta de "recompensa antecipada" no cérebro.
Sob o ponto de vista emocional, os dispositivos eletrônicos oferecem uma fuga imediata de situações desconfortáveis ou tediosas, dificultando a capacidade de os estudantes desenvolverem resiliência emocional e enfrentarem desafios do dia a dia. Essa dependência também está associada a sentimentos de isolamento e baixa autoestima, especialmente quando os jovens se comparam com os padrões idealizados compartilhados nas redes sociais.
Com a implementação da Lei 4.932/2024, é imprescindível que se adotem medidas psicológicas que auxiliem os estudantes a lidar com os impactos da restrição no uso de dispositivos eletrônicos. A abstinência pode gerar sintomas de ansiedade, irritabilidade e dificuldades de concentração, similares àqueles observados em outros tipos de dependência.
Algumas estratégias eficazes incluem:
Educação Digital: Promover o letramento midiático e digital, ajudando os estudantes a compreenderem os efeitos do uso excessivo de telas e a desenvolverem habilidades para um uso mais consciente e equilibrado.
Técnicas de Regulação Emocional: Introduzir práticas como mindfulness, respiração consciente e exercícios de atenção plena para ajudar os jovens a lidarem com a ansiedade e a impulsividade geradas pela ausência dos dispositivos.
Atividades Alternativas: Incentivar atividades que promovam interações sociais presenciais, como esportes, arte e leitura, para que os estudantes possam experimentar outras formas de satisfação e prazer.
Suporte Psicológico: Garantir a presença de profissionais de psicologia nas escolas para acompanhar os estudantes durante o período de adaptação, oferecendo espaços de escuta e orientação.
Engajamento Familiar: Envolver os pais no processo de transição, orientando-os sobre como estabelecer limites saudáveis em casa e apoiar seus filhos na gestão do tempo longe das telas.
A restrição do uso de dispositivos eletrônicos nas escolas pode representar um passo significativo para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e emocionais mais saudáveis entre os estudantes. No entanto, é essencial que essa política seja acompanhada por intervenções psicológicas estruturadas e de longo prazo, que assegurem uma transição gradual e sustentável. Com um enfoque integrado, que contemple aspectos neurocientíficos, comportamentais e sociais, será possível transformar o desafio da dependência digital em uma oportunidade de crescimento e aprendizado para toda a comunidade escolar.
*Vitor Friary é psicólogo e mestre em psicologia pela London Metropolitan University. É autor de livros publicados no Brasil e nos Estados Unidos. Atualmente é doutorando no Instituto Universitário de Lisboa e diretor do Centro credenciado de formação e tratamento em Mindfulness-based Cognitive Therapy (MBCT) no Brasil. Além disso, é autor de 'Mindfulness para Crianças', especialista em Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness para Crianças e Adolescentes. Implementou o primeiro protocolo de mindfulness para crianças na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.